Entrevista de Margaret Thatcher à Veja em Março de 1994. Vale muito a pena ler a esta distância e sobretudo no actual contexto europeu. A entrevista teve como título: A receita da leoa.
A líder que pilotou a revolução liberal na Inglaterra dá o roteiro da privatização e mostra por que governo não produz riqueza
Da rainha Elizabeth I, que afundou a Invencível Armada espanhola, à rainha Vitória, que conquistou um império onde o Sol nunca se punha, a Inglaterra tem a tradição de mulheres de pulso forte no comando. Nessa lista coroada, a plebéia conservadora Margaret Thatcher passou à História por méritos próprios. Durante quase doze anos como primeira-ministra da Inglaterra, dos quais saiu com o título de baronesa, a Dama de Ferro implantou no país uma revolução conservadora. Sob suas implacáveis ordens, o velho leão inglês surrou a Argentina na Guerra das Malvinas, em 1982. Thatcher reivindica também, com razão, um papel relevante na última pá de cal no comunismo e na arrogância de Saddam Hussein.
Na própria Inglaterra, que governou até 1990, privatizou quase tudo o que era estatal e dava prejuízo. A situação complicada em que se encontra o país - desemprego alto, quebradeira de pequenas e médias empresas - não é culpa de suas reformas neoliberais, diz. Ao contrário, afirma, a Inglaterra está mais moderna e com a economia mais ágil, apesar da herança intervencionista que recebeu do Partido Trabalhista. Milhões de ingleses se tornaram acionistas ou donos da própria casa graças ao seu programa de "capitalismo popular".
Thatcher acaba de publicar suas memórias (Meus Anos em Downing Street) e, no próximo dia 16, chega ao Brasil para um programa em São Paulo e em Brasília, recebendo, por isso, 100.000 dólares - o cachê reservado a poucos e selecionadíssimos conferencistas. A seus interlocutores brasileiros, de qualquer coloração ideológica, será útil ouvir os ensinamentos da Dama de Ferro sobre a responsabilidade do governo no descalabro das nações. Na semana passada, na sede da fundação que leva seu nome, em Londres, Thatcher falou a VEJA.
VEJA - O governo brasileiro acaba de lançar seu sétimo pacote antiinflacionário. Os anteriores não funcionaram. A senhora tem sugestões a dar?
THATCHER - Muitos países debelaram a inflação, e o Brasil a certa altura também irá conseguir. É preciso evitar a inflação e o reverso da medalha, a indexação. A primeira regra é fazer com que a população tenha confiança na moeda. A segunda é evitar controles sobre a economia. Durante o governo trabalhista, na Inglaterra, era preciso obter aprovação das autoridades para aumentar os preços. Os salários também eram fixados pelo governo, assim como os dividendos. Até o comércio exterior obedecia a controles oficiais rígidos. Se um empresário precisasse aumentar seus preços, tinha de se justificar: "Bem, esses são os meus custos, aqui estão os custos adicionais, concordei em dar tanto de aumento salarial, e meus preços precisam subir tanto". O certo é o contrário: livre concorrência com moeda estável, e uma poupança que mantém seu valor. Em resumo, um governo competente.
VEJA - No Brasil, os governantes gostam de fazer apelos à boa vontade dos empresários, pedindo que não elevem os preços. Isso funciona no controle da inflação?
THATCHER - É dever da direção de uma empresa mantê-la saudável, da mesma forma que é obrigação do governo manter as finanças públicas em ordem. Não parece que inflação galopante tenha algo a ver com boa administração. É supérfluo dizer: "Por favor, não aumentem os preços, a menos que seja necessário para manter a rentabilidade da empresa". A livre concorrência é a melhor coisa para segurar os preços. Ela garante eficiência em cada estágio da operação de uma empresa.
VEJA - A senhora conheceu alguns líderes brasileiros, inclusive o ex-presidente Fernando Collor. Que impressão teve deles?
THATCHER - Não faço comentários sobre pessoas. Parece-me bem claro que o Brasil não teve ainda um bom governo, capaz de atuar com base em princípios, na defesa da liberdade, sob o império da lei e com uma administração profissional. Bastaria um período assim, acompanhado da verdadeira liberdade empresarial, para que o país se tornasse realmente próspero.
VEJA - Uma pesquisa recente mostrou que a senhora é a mulher mais admirada pelos brasileiros. O mesmo ocorre em outros países. Qual a razão de sua popularidade?
THATCHER - É simples. Trabalhei seguindo princípios que já defendia antes de iniciar meu governo. Perseverei mesmo quando surgiram dificuldades, porque minha política era justa. Por fim, quando um ditador resolveu ocupar território estrangeiro usando a força bruta, impondo a outro povo sua ditadura, como o Iraque fez no Kuwait, nós e os Estados Unidos alertamos: "Não vamos tolerar isso". Em resumo: é preciso firmeza de propósitos, acompanhada de firmeza na ação.
VEJA - Mas por que a senhora não é igualmente popular na Inglaterra, país que governou de 1979 até o final de 1990?
THATCHER - Com o devido respeito, devo dizer que nunca fui derrotada pelo povo. Ganhei três eleições, com ampla maioria. Quando deixei o governo, muitos eleitores lamentaram não ter podido se expressar através das urnas.
VEJA - O presidente americano, Bill Clinton, defende um papel mais forte para o governo, capaz de ser um mediador entre os protagonistas da economia e a parte menos favorecida da população. Recentemente, foram eleitos presidentes de tendência social-democrata na Venezuela e na Costa Rica. O neoliberalismo que a senhora representou tão bem está em crise?
THATCHER - Não é muito correto fazer analogias entre os Estados Unidos e a Inglaterra. A alternativa a nosso governo na Inglaterra era um governo genuinamente socialista, que queria nacionalizar a produção, a distribuição e os meios de pagamento. Uma alternativa assim nunca houve nos EUA. A liberdade está inscrita na Constituição americana. Os dois partidos americanos acreditam na liberdade do povo e no fato de que é este que dá poder ao governo, e não o contrário. Nunca houve, no pós-guerra, distância tão grande entre os principais partidos americanos como a que havia entre os partidos ingleses. Mas sua pergunta é pertinente. Meu governo teve grande influência sobre a oposição trabalhista. Hoje o Partido Trabalhista não ameaça nacionalizar ou renacionalizar mais nada. Ao contrário, fala em controlar os gastos públicos e está muito mais próximo da posição conservadora.
VEJA - Resta o fato de que o presidente Clinton reverteu a política do liberalismo total da era Ronald Reagan e está colhendo frutos positivos.
THATCHER - A diferença entre os partidos Democrata e Republicano nos Estados Unidos é definida por duas coisas: o tamanho dos gastos públicos e o grau de interferência do governo que cada partido deseja. Mas muita gente nos EUA pensa como eu, que é melhor menos poder central e menos controle, com um governo presente de modo forte só nas áreas em que deve ser forte. É mais fácil ter menos impostos com um governo de centro direita do que com um governo de centro esquerda.
VEJA - Depois de seu reinado neoliberal de doze anos, a Inglaterra passou a fazer parte do grupo dos países mais pobres da Europa, na frente de um pelotão que inclui Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. O que deu errado?
THATCHER - Antes de mais nada, tive de me livrar do socialismo - e consegui. Não se esqueça de que em 1979, quando tomei posse, o país estava abalado por greves, uma atrás da outra, comandadas por sindicatos que usavam todo o seu poder. O governo trabalhista que me precedeu continuara a estatizar, os impostos eram altos e a economia estava cada vez mais sob controle do governo. Tive de me livrar de tudo isso, e no meio dos anos 80, depois de uma reestruturação industrial, a Inglaterra crescia mais rapidamente do que qualquer outro país europeu. Hoje há uma fila de indústrias estrangeiras querendo investir na Inglaterra, porque aqui podem produzir mercadorias com preços mais razoáveis do que em qualquer outra parte.
VEJA - Quando a senhora começou a governar, havia 1 milhão de desempregados. Quando saiu, era mais que o dobro. Não é um custo muito alto para as reformas liberais?
THATCHER - De fato, mas os sindicatos faziam uma política restritiva, garantindo uma quantidade colossal de empregos inúteis, o que equivalia a um desemprego virtual. Uma das primeiras coisas que as empresas privatizadas fazem é reduzir o número de empregados ao estritamente necessário para realizar o trabalho direito. É impossível manter na indústria práticas restritivas, obrigando-a a ter mais empregados do que precisa. A segunda causa do desemprego é que, graças à alta taxa de natalidade dos anos 60, quando iniciei meu governo havia uma massa de jovens procurando emprego muito maior do que o número de pessoas que se aposentavam. Agora, felizmente, essa tendência se reverteu. Mas, se o assunto é desemprego, olhe para a França, que tem um índice maior que o nosso, ou para a Alemanha, onde o desemprego cresce apesar da unificação com a ex-Alemanha Oriental.
VEJA - Às vezes tem-se a impressão de que os objetivos liberais terminam no equilíbrio dos gastos públicos, no controle da inflação, na estabilidade da moeda e nas privatizações. Onde ficam o bem-estar da população, as necessidades básicas dos menos favorecidos e a solidariedade social?
THATCHER - Não posso dar uma resposta breve. Acho que o senhor parte de suposições totalmente erradas. Os objetivos principais da sociedade na qual acredito são a liberdade, a justiça e a livre iniciativa. Nada disso pode ser obtido fora do império da lei e sem um Judiciário independente. A prosperidade de uma nação provém da livre iniciativa de cada um e de uma situação em que a lei é igual para todos. Governos não criam riqueza, quem faz isso são as indústrias e os serviços. É o povo, com sua própria bagagem e sua própria capacidade de iniciativa, que cria empresas.
VEJA - Então, qual é a função do governo?
THATCHER - O governo pode, através de uma política fiscal sensata, procurar os meios para administrar a parte que lhe compete. É dever das autoridades manter a saúde das finanças públicas. Se há inflação, é culpa do governo, que não controlou direito a emissão de moeda. Se há déficit nas contas públicas, é culpa do governo, que não soube equilibrar sua receita fiscal e seus gastos. É sempre possível dizer: o.k., podemos gastar à vontade e depois alguém vai financiar o buraco. Mas o que acontece é que mais gastos do governo significam sempre mais impostos para cobri-los. E, quando a carga fiscal é excessiva, ninguém tem mais incentivo para criar empregos e riquezas.
VEJA - Impostos baixos não são um mito típico do liberalismo econômico?
THATCHER - Uma política fiscal sensata é obrigação do governo. Quando assumi, a alíquota máxima para o imposto de renda chegava a 83%! Para os ganhos de capital, era 98%! Onde ficava nossa capacidade empresarial? Os empresários que tinham iniciativa preferiam investir no exterior. A excessiva regulamentação impedia que novas empresas tivessem sucesso antes mesmo de começar a operar. Se as empresas trabalham bem e têm bons resultados, o governo não tem déficit orçamentário. Nos meus últimos quatro anos, o governo trabalhou com superávit, a ponto de podermos abater parte da dívida pública. Não chegamos a eliminar o desequilíbrio na balança comercial, mas não havia dificuldade em financiá-lo, em vista da confiança na nossa moeda. E a iniciativa individual foi estimulada, com a alíquota máxima de imposto caindo para 40%. A alíquota média é muito inferior.
VEJA - Como o excesso de regulamentação afeta a economia?
THATCHER - Se você tem um governo competente, não há regulamentação atrapalhando a vida das pessoas. O objetivo do governo não deve ser só manter as coisas públicas funcionando. É preciso estimular a capacidade empresarial da população, fazer nascer novos negócios, o agricultor tem de confiar no valor de sua produção, a moeda deve ser vista com confiança. Tudo isso começa com um bom sistema educacional. A criança, rica ou pobre, precisa de escolas adequadas para desenvolver seus talentos e habilidades. A partir daí se pode pensar em outra tarefa do governo: a criação de uma rede de proteção e benefícios para aquela parcela da população que, involuntariamente, não consegue manter-se no mercado de trabalho, por velhice ou doença.
VEJA - Como a senhora descreve sua idéia de um "capitalismo popular"?
THATCHER - É o meu sonho de fazer de cada cidadão um capitalista, o capitalismo das pessoas comuns. Não se esqueça de que na Inglaterra temos uma tradição de cidadania. A instituição do Parlamento começou no século XIII. O voto de poucos passou a ser o voto de todos. Vivemos sob o império da lei e sempre tivemos juízes capazes de dizer ao monarca: "Não há nenhum homem acima do rei, mas este está abaixo de Deus e da lei". Essa é nossa herança e nosso caráter. Mas, no início de meu governo, os ingleses não conseguiam ter uma poupança, não conseguiam acumular capital. Meu objetivo era fazer com que as pessoas, independentemente de sua origem, conseguissem adquirir ao menos a casa própria, acumulando algum capital para deixar aos filhos. Como nessa época 30% das casas e dos apartamentos pertenciam a órgãos públicos, fizemos um plano pelo qual os locatários tinham preferência e outras facilidades para comprar o imóvel onde moravam. Hoje, 68% dos ingleses são proprietários da casa onde moram, e milhões têm ações de empresas privatizadas. Isso é capitalismo popular.
VEJA - O governo da senhora ficou famoso pelas privatizações. Como foi a primeira privatização?
THATCHER - Foi no setor siderúrgico. O aço produzido pela estatal custava ao povo inglês 1,5 bilhão de dólares por ano em subsídios. Pouco depois da privatização, o aço já rendia ao Tesouro - ou seja, ao povo - 330 milhões de dólares anuais. Outro ponto positivo: o dinheiro fruto da venda das estatais vai direto para o Tesouro, o que, mais uma vez, quer dizer para o povo. Mais dinheiro no caixa do Tesouro significa menos necessidade de impostos e até menos dívida pública. Ou seja, não se está dando nada de graça. As pessoas estão comprando o que o governo vende, o Tesouro deixa de ter prejuízo e passa a ter renda. É um ótimo negócio para quem paga imposto.
VEJA - E os estaleiros navais? Não foram dados quase de graça?
THATCHER - Foi o único caso, e justificado. A administração era tão incompetente que ninguém se interessou por eles. Os contribuintes subsidiavam a indústria naval estatal com o equivalente à massa salarial de todos os empregados do setor. Na sua opinião, isso é que é ser empresa pública? O importante é garantir a sobrevivência da empresa através de uma administração eficiente e estancar a hemorragia de dinheiro dos contribuintes. Quando a estatal pode ser vendida por um bom dinheiro, muito bem, são novos recursos para o Tesouro. Mas às vezes o melhor negócio é simplesmente parar de ter prejuízo custeado pelo povo.
VEJA - Quem se opõe à privatização das estatais no Brasil costuma dizer que privatizar é pegar algo que é propriedade de todos e dar de presente para alguns.
THATCHER - Ninguém está dando nada para ninguém. A verdade é o contrário: em geral as estatais têm de ser subsidiadas com o dinheiro dos contribuintes. O governo não sabe administrar empresas, quase sempre o faz de modo inepto. Logo, logo a empresa está perdendo dinheiro, e o contribuinte tem ao mesmo tempo de comprar o que ela produz e pagar o prejuízo do seu bolso, ano a ano.
VEJA - No Brasil os funcionários das estatais têm privilégios invejados pelos demais trabalhadores, como ricos fundos de pensão. Na Inglaterra acontecia o mesmo?
THATCHER - São coisas diferentes os privilégios e os direitos a uma aposentadoria digna. Por lei, todo trabalhador inglês deve ter, além da aposentadoria básica, muito pequena mas garantida pelo governo, uma segunda pensão, fornecida através da empresa na qual trabalha e em geral garantida por uma forma de previdência privada. O que caracteriza realmente o privilégio das estatais é que elas se permitem ter uma administração incompetente e, quando precisam de dinheiro, achacam os cofres públicos, ameaçando com a falência em área em que, na opinião da diretoria, o governo não pode estar ausente.
VEJA - Como deve ser feita uma boa privatização?
THATCHER - É preciso sanear as empresas antes de vendê-las ou dar condições aos compradores de saneá-las. Antes de privatizar o aço, concentramos a produção em cinco siderúrgicas, fechando as mais antiquadas e menos produtivas. Alguns setores tinham um nítido excesso de pessoal, como os portos, as minas de carvão, a empresa aérea estatal. Mas não dá para reduzir o excesso de mão-de-obra sem uma justa indenização. Em média, pagamos 1.500 dólares por ano trabalhado. Desse modo, quem tinha trinta anos de serviço foi para casa com 45.000 dólares na mão. Um montante inédito para um trabalhador comum, ótimo para ajudá-lo a ingressar no setor privado. Em muitos casos, vendemos empresas saneadas, com boas chances de rentabilidade. Em outros, vendemos por um preço simbólico, para parar de bancar prejuízos inúteis.
VEJA - Mesmo entre os defensores da privatização no Brasil há quem acredite que o governo deve manter o monopólio estatal do petróleo, um bem estratégico. O exemplo clássico é a Guerra do Golfo, em que estava em jogo o controle de grandes reservas de petróleo.
THATCHER - Eu diria que a Guerra do Golfo foi provocada por um ato de agressão. Não se pode permitir que a agressão renda frutos. Esse é o ponto essencial. Resta o fato de que Saddam Hussein queria apropriar-se de 60% das reservas mundiais de petróleo. Mas esse é um bom argumento para desejar que nenhum governo tenha o monopólio do petróleo, e não o contrário. Veja o exemplo dos Estados Unidos. O petróleo está todo sob controle de empresas privadas e o setor funciona muito bem.
VEJA - Os funcionários das estatais que a senhora privatizou tiveram alguma preferência ou desconto na compra das ações?
THATCHER - Sim. Mesmo quando a empresa era vendida na bolsa, reservava-se um bloco de ações para os executivos e funcionários, a preço especial. É um estímulo para quem, no fundo, faz a empresa andar. Contribui para fazer de cada pessoa um capitalista. E acelera o processo de privatização.
VEJA - A senhora comprou ações das empresas privatizadas?
THATCHER - Minha carteira de ações é administrada por um corretor. De qualquer modo, enquanto estiverem em sua função, ministros e demais membros do governo não podem comprar ações de empresas privatizadas.
VEJA - A senhora sente falta do poder?
THATCHER - Não. Estive mais de onze anos no poder, era hora de uma mudança. Creio que fiz um bom trabalho, em prol da reputação da Inglaterra, tanto internamente quanto no resto do mundo. Acho também que o presidente Ronald Reagan e eu demos uma grande contribuição à demolição do comunismo. O líder soviético Mikhail Gorbachev também estava no poder naquele período, e fizemos com que compreendesse que seríamos muito duros na defesa de tudo aquilo em que acreditávamos.
VEJA - Pouca gente gosta de Gorbachev na Rússia e poucos se lembram dele fora de lá. A senhora acha que a História está sendo justa com ele?
THATCHER - Precisamos reconhecer que sem Gorbachev a Rússia não teria todas as liberdades que hoje parecem normais - de religião, de opinião, de locomoção etc. Nada disso teria sido possível sem ele. Gorbachev restituiu aos russos liberdades pessoais e políticas. Não conseguiu fazer a livre empresa avançar muito. Setenta anos de comunismo ainda condicionam muito a capacidade de uma população mantida passiva à força. Gorbachev não conseguiu sequer fazer passar no antigo Soviete Supremo a lei sobre a propriedade privada, mas mesmo Boris Ieltsin está tendo dificuldades para fazer tal tipo de reforma. A Rússia ainda não tem um Banco Central digno desse nome. O povo vê a sua poupança estraçalhada pela inflação. Ou seja, Gorbachev deu o passo necessário para acabar com o comunismo e a Guerra Fria, ajudando a derrubar o Muro de Berlim. Reconstruir o país é muito mais difícil.
VEJA - A senhora concorda com a teoria de que a nova linha mundial de confrontação será entre civilizações e culturas diferentes, e não mais entre ideologias e sistemas econômicos?
THATCHER - A fonte fundamental de conflitos é a disputa entre tirania e liberdade, entre quem quer impor sua vontade pela força e os direitos humanos fundamentais e a liberdade dos povos. Creio que há no momento 48 conflitos armados pelo mundo. Houve tiranos em todas as eras, e eles continuam a nascer. O conflito é entre tirania e direito, não se trata de cultura.
VEJA - Se o general Leopoldo Galtieri, o ditador argentino que invadiu as Malvinas - ou Falklands, como se diz na Inglaterra -, em 1982, tivesse telefonado para a senhora antes de consumar o ataque, qual teria sido a sua resposta?
THATCHER - Bem, ele não telefonou, percebe-se que queria jogar com o fator surpresa. Sua pergunta é hipotética. Se alguém pisa em território britânico e procura dominar cidadãos britânicos pela força, minha função é botá-lo para fora. A Inglaterra foi o primeiro país do pós-guerra a proclamar claramente: a agressão não compensa. Esse tipo de comportamento não deveria mais existir na última metade do século XX. As Falklands são território britânico desde 1770. Ninguém pode sentir-se livre para tomar terra dos outros. Se alguém começar a dizer que toda ilha a certa distância do litoral de um determinado país pertence a este último, esteja certo de que teremos muitas guerras. Trata-se de invasão de território alheio.
Pertinente...
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