quarta-feira, outubro 31, 2012
quinta-feira, outubro 25, 2012
quarta-feira, outubro 24, 2012
Ana Teresa Pereira
Ana Teresa Pereira conquistou o Grande Prémio de Romance e Novela. Conquistou-o com o romance "O Lago". Poderia ter sido com outro qualquer, seria sempre justo.
segunda-feira, outubro 22, 2012
Às vezes
Às vezes sentimos que o tempo chegou ao fim,
que as portas se estão a fechar por trás de nós,
que já nenhum ruído de passos nos segue;
e temos medo de nos voltar,
de dar de frente com essa sombra que não sabíamos que nos perseguia,
como se ela não andasse sempre atrás de nós,
e não fosse a nossa mais fiel companheira.
Às vezes, em tudo o que nos rodeia,
encontramos essa impressão deque não sabermos onde estamos,
como se o caminho para aqui não tivesse sido o mesmo, desde sempre,
e tudo devesse ser-nos, pelo menos, familiar.
A solução é pegar no fim e metê-lo à boca, como se fosse uma pastilha elástica,
derreter o sabor que o envolve, por amargo que seja,
e no fim pegar nesse resto que ficou
e, tal como se faz à pastilha elástica, deitá-lo fora.
Para que queremos nós o nosso próprio fim?
Já bastou tê-lo saboreado, derretido na boca,
sentido o seu amargo sabor.
Então, libertos do nosso fim,
veremos que as portas se voltarão a abrir,
que a gente continua a andar à nossa volta,
que a sombra já não nos mete medo,
e que se nos voltarmos teremos pela frente o rosto desejado,
o amor, a vida de que o fim nos queria ter privado.
Nuno Júdice, in Fórmulas de uma luz inexplicável
domingo, outubro 21, 2012
sábado, outubro 20, 2012
Halley miracle
Hoje é aquela noite maravilhosa em que o cometa Halley nos concede desejos, um por minuto. É noite de estrelas cadentes. Sabe-me sempre a milagre, mesmo quando não consigo ver nenhuma, o que me acontece demasiadas vezes em noites assim.
A época da chuva de estrelas é conhecida por orionídas, porque fica na direcção da constelação de Órion. É para lá que devemos olhar. É fácil, é a constelação que tem sempre estrelas mais brilhantes, três delas juntinhas, são as Marias. Mantas a postos, olhar pendurado no céu. Como dizia Raul Brandão, é "um intervalo de vinte minutos para sonhar".
sexta-feira, outubro 19, 2012
E agora, Manuel Pina?
Conheci o Miguel quando comecei a trabalhar num jornal que não era o meu. Passam doze anos em Dezembro. Talvez me tenha apaixonado pelo que ele escrevia antes de ter-me apaixonado por ele. Não era o que escrevia, era a forma como escrevia. Um dia, antes ainda de sermos namorados, com a arrogância imberbe de quem iniciava percurso desejando que os jornais se aproximassem dos livros, perguntei-lhe como era possível escrever daquela maneira que não era a maneira de ninguém, nem daquele jornal nem de nenhum outro, aquela maneira de escrever que me sabia para além da poesia. Ele respondeu: "Foi o Manuel Pina que me fez assim."
O Manuel Pina era então editor de Cultura no JN, o Miguel sucedê-lo-ia pouco depois. Eu viria a trabalhar com ele. Trabalhar com o Miguel era uma declaração de amor à profissão. Era missão e maratona. Era ver nitidamente páginas inteiras antes de elas estarem desenhadas, era recolher mais informação do que parecia possível verter, era pôr o coração inteiro, o sangue todo numa notícia, era reescrever tudo até ao segundo impossível, era não ter tempo para respirar, era não querer respirar para não perder tempo, era acrescentar detalhes até ao céu que era ser jornalista naquela altura. Trabalhámos juntos pouco tempo, quatro anos. Nunca mais tive um editor assim. De todas as vezes que lhe perguntei como conseguia pensar uma peça, organizá-la sem esquecer o mais ínfimo e improvável pormenor, desenhá-la na nossa cabeça ao mesmo tempo que a idealizava na dele, ele respondeu: "Foi o Manuel Pina que me fez assim."
Naqueles anos, nunca jantávamos antes da meia-noite. O Miguel era invariavelmente o último a fechar. O Manuel Pina, até Agosto, até ser internado, foi sempre o último a entregar a crónica. A crónica que traduzia o mundo "por outras palavras", que tirava máscaras a quem as usa, que colocava os pontos nos is e os dedos nas feridas, bálsamo para dor, injustiça vingada, a crónica que todos os dias me fazia ferver e fervilhar de orgulho e pensar: "É o Pina. É nosso."
Foi o Manuel Pina quem me deu o Miguel. E foi o Miguel quem me deu o Manuel Pina. Primeiro com o Anacronista, depois com a poesia, o Borges como bónus. Amor contagiado, quase devoção. Estávamos no Alentejo, em Maio do ano passado, quando soubemos que ganhara o prémio Camões. Celebrámos tanto! Comprámos os jornais todos no dia seguinte, lemos tudo em voz alta, poesia. Estávamos tão felizes.
E hoje estamos tão tristes. "Se pudéssemos falar com lágrimas", chora o Miguel. Manuel Pina foi sempre cá de casa. Entrava nas cartas de amor, nos bilhetes deixados de manhã na parede, bastião de esperança quando vacilávamos em relação à profissão, posto de socorro nas conversas sobre a eterna luta pela verdade, sopro para a coragem, escudo contra a fraqueza da desistência, certeza de que os bons ganham sempre. Era a liberdade, a humanização do nosso pequeno mundo desumanizado, era a possibilidade da construção de alguma coisa maior. Deixa-nos na altura em que mais precisamos dele. O país colonizado, a profissão a esvair-se, os jornalistas na rua, tantos sem saber se da rua sairão, greve que já era antes de se ver, nós sem sabermos até quando resistiremos, até quando continuaremos a acreditar. E agora, o pior de tudo, o mais triste de tudo, a dor sem remédio, ficámos sem ele para nos acordar. Para nos salvar. E agora, Manuel Pina?
quinta-feira, outubro 18, 2012
José Luís Peixoto: Arriscamo-nos a ser outra Grécia
Normalmente, esta frase é dita por senhores de fato, protegidos pelo ecrã da televisão. Não estão nervosos, como os desempregados que gritam na rua ou à porta da fábrica, estão até bastante serenos; também não têm a cara pintada, nem estão a insultar ninguém, como aquela multidão de rapazes e raparigas que nunca conseguiram um emprego que durasse mais de três meses, estão compostos e falam com correção. Vestem-se como pessoas sensatas, penteiam-se como pessoas sensatas, têm carros de cilindrada sensata a esperá-los no estacionamento.
Arriscamo-nos a ser outra Grécia.
E, no fundo, estão a dizer:
Vocês arriscam-se a transformar este país noutra Grécia.
Eles não fazem parte do "nós", eles estão a avisar-nos. Por eles, pela sua acção, este país nunca se tornaria noutra Grécia. Se assim fosse, eles não nos estariam a alertar, em tom professoral, em tom de quem sabe mais e melhor. Não são eles que estão em risco de ser uma nova Grécia, eles são apenas desinteresse e boas intenções. Somos nós, sem eles, que estamos em risco de ser outra Grécia.
A xenofobia dessa frase é desprezível. Utiliza a ignorância dos sentimentos mais rasteiros para justificar argumentos desonestos. Ao mesmo tempo, quer fazer pressupor que a Grécia está na atual situação económica porque o seu povo protesta.
Esses senhores, que até podem ter óculos, aliviam a sua consciência culpando os pobres da própria pobreza. Há bem pouco tempo, por exemplo, insurgiam-se contra o rendimento mínimo. Nunca se lhes ouviu uma palavra acerca dos paraísos fiscais.
Justificam a avareza mais reles, com a ideia de que a ajuda pública desencoraja os pobres de trabalhar, torna-os preguiçosos. Isto, com frequência, vindo da parte de pessoas que descendem de linhagens com muito a aprender acerca do que é o trabalho.
Neoliberais de merda. O Estado não deve meter-se na vida das grandes empresas ou dos bancos, a não ser para, à mínima dificuldade, lhes enfiar pazadas de dinheiro pela goela abaixo. Depois, se o Estado precisar seja do que for, não tem o direito de exigir nada. Não tem o direito de interferir na liberdade do mercado. Só tem direito de interferir na liberdade dos cidadãos.
Se calhar, temos de ser nós a ensinar-lhes que é o trabalho que cria riqueza e não aqueles que vendem o trabalho dos outros.
Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?
De cada vez que os portugueses saem à rua, voltam a casa com mais dignidade. Ao contrário do que aconteceu demasiadas vezes, as imagens de multidões demonstram que não está tudo certo, eles não têm legitimidade para tudo. Sobretudo, não têm legitimidade para fazer o oposto daquilo que disseram que iam fazer e, menos ainda, para serem lacaios de outros em que ninguém votou.
Ridículos: a anunciarem medidas antes de jogos de futebol, a esconderem-se no estrangeiro onde não comentam nada, a dizerem que temos o melhor povo do mundo. O mesmo povo que desrespeitam continuadamente.
Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?
Quando falam da Grécia nesse tom de xenofobia velada e cobarde, seria interessante perguntar-lhes qual é, afinal, o país que eles quem querem ser. Da mesma maneira que repetem que não querem ser gregos, seria bonito ouvi-los afirmar que querem ser alemães.
Então, talvez a xenofobia lhes caísse em cima. Talvez lhes fizesse bem sentir esse peso. Tenho curiosidade de ver quantos os seguiriam no dia em que tornassem explícitos os dois lados desse simplismo que coloca a Grécia e a Alemanha em polos opostos de uma guerra surda, em que um dos lados bombardeia o outro, diariamente, com humilhação.
A Grécia não é um país a evitar, os gregos não são um povo a evitar. Aqui, neste nosso país, há muitos que já são gregos porque estão desempregados e sem horizontes como tanta gente na Grécia, porque não sabem como pagar a casa ao banco, porque sofrem como tantos gregos. Quem tem verdadeiro medo de ser como os gregos são esses senhores de fato, protegidos, porque sabem que os seus homólogos da Grécia estão a ser vigiados, com pouca margem.
terça-feira, outubro 16, 2012
Pedro Santos Guerreiro: "O que vai fazer o resto da sua vida?"
HÁ UM ANO, muitos portugueses acreditavam. Estavam mobilizados para salvar o país. Pagariam, trabalhariam – salvariam. Hoje, muitas pessoas só quererão salvar-se a si mesmas. A si, aos seus. A emergência tornou-se individual. O Governo diz-se sem alternativas. Mas há empresas com alternativas. Há pessoas com alternativas. Você pode ser uma pessoa com alternativas. O que vai fazer?
Há a alternativa de baixar os braços. A alternativa de levantá-los para gritar. A alternativa de virar as costas ou exigir de frente. A alternativa, nas empresas, de despedir ou baixar salários. De cortar no topo para manter a base. A alternativa, das pessoas, de emigrar ou ficar cá, de passar a fugir aos impostos ou continuar a pagá-los, a alternativa de perder a cabeça, de exigir cabeças ou de ter cabeça. A alternativa de atirar tudo para o ar ou sentar com o raio da máquina de calcular à frente outra vez. A alternativa de perder para sempre ou começar de novo. A alternativa de dar, partilhar, lutar por quem não tem emprego, casa, dinheiro, pão – de quem não tem alternativa.
O ORÇAMENTO do Estado tem tudo para correr mal. O rol de desgraças está mais do que listado, a maior carga fiscal de sempre é um tonelada em cima de algodão, não há justiça nem rumo, há impostos, impostos, impostos. E há sobretudo a descrença de que vai funcionar. A certeza de que não vai chegar, porque nada chega para encher um buraco negro no universo. Desde ontem, há ainda mais. Há riscos. O risco de execução do orçamento é tão grande que se vê do céu à vista desarmada. Começando no défice deste ano, que está longe de estar garantido, depois do "chumbo" à utilização da concessão da ANA. Para 2013, é incredível que as receitas de IRS aumentem 30%, o que pode repetir a derrapagem nas receitas fiscais deste ano. Pior do que este ano, o PIB poderá facilmente contrair mais do que 1%, mercê das recessões dos países para os quais exportamos e dos "multiplicadores" agora descobertos pelo FMI. O risco está pois nos dois lados da fracção. A probabilidade de conseguirmos reduzir o défice para 4,5% em 2013 é, portanto, muito pequena. Quem nos dera pensar o contrário. Porque desta forma, "isto" não chega."Isto" é a maior carga fiscal de sempre. É cortes na saúde, na educação, é redução de salários e pensões, é rescisões de contratos na função pública, é mais despedimentos nas empresas públicas, é desemprego, falências, recessão. Se "isto" não chega, nada chegará.
MAS HÁ mais um risco. O risco político. Os desenvolvimentos dos últimos dias mostram que o golpe palaciano movido pelo CDS e por parte do PSD contra o ministro das Finanças falhou. Ficou tudo como estava antes das maratonas no Conselho de Ministros. Vítor Gaspar não cedeu a Portas, como noticiava o "Sol" na sexta, os escalões de IRS e a sobretaxa não mudaram, como avançava o "Expresso" no sábado. Ficou tudo na mesma. Gaspar venceu. E ficou só. Vítor Gaspar está isolado no Governo. Ontem, cometeu ademais a imprudência de ridicularizar o Presidente da República, ao dizer que o FMI não assumiu erro algum na questão dos multiplicadores, que isso teria sido apenas a interpretação do blogue de Paul Krugman. Cavaco Silva não é de embarcar em blogues. E não precisou, Gaspar não tem razão. Em conferências públicas na última semana, quer o economista-chefe, quer a a directora-geral do FMI assumiram o erro. E três Presidentes da República – Cavaco, Soares, Sampaio – falaram na última semana dizendo coisas diferentes mas dizendo uma coisa igual: a austeridade está a matar a economia, a sociedade – e pode matar a democracia. Só um Governo forte e coeso aguenta este Orçamento e ele não há. Portas parece querer sair. Gaspar está só, mas não está fraco. Gaspar manda no Governo porque a troika manda no País. Quando Gaspar repete à exaustão que a margem é quase nula, não está só a falar ao País. Está a falar para dentro do Conselho de Ministros. Está a falar ao espelho.
É POR ISSO que o FMI tem de ser consequente e a UE tem de ser responsabilizada. Só eles têm chaveiros para abrir estas arcas. Nos próximos meses, a UE vai atravessar um caos político com a aprovação em pacote de ajuda externa a um grupo de países, que deverá incluir Espanha, Chipre, Eslovénia e a própria Grécia. Talvez esteja aí o bom-senso: Portugal ganha tempo para submergir durante essa fase. E ganha "folga assistida" em 2013. Assistida pelas instituições internacionais nos mercados. Para que, como disse ontem Vítor Gaspar, haja credibilidade acrescida e acesso ao financiamento.
ESTAS são também alternativas, as de pressionar as instituições comunitárias. Porque também elas têm uma alternativa: a alternativa de ser Europa. A mesma alternativa que tem o Governo português, a de negociar, pressionar, de provar que será melhor e será merecido. É preciso inventar a esperança. Ela não morreu, apenas não está no Governo que a devia erguer. Talvez depois do salvamento venha a salvação. Talvez valha pena acreditar que um louco se atira mais de quatro minutos em queda-livre e aterra ileso. Porque, sim, muitos têm alternativas. A alternativa do conflito ou do compromisso. "O que vai fazer o resto da sua vida?", tocava Bill Evans, que era um génio e editou um álbum chamado "você tem de acreditar na Primavera". Agora é Outono. E há uma decisão que também é sua.
[Enorme Pedro Santos Guerreiro, hoje, no Jornal de Negócios, a dignificar o jornalismo e a vida de cada um de nós]
segunda-feira, outubro 15, 2012
Pedro Santos Guerreiro: "(Não digam a ninguém, mas..."
... este Orçamento vai correr mal. Ninguém acredita nele, nem quem o faz. Mas shiu, parece que isso não pode ser dito alto, piscamos os olhos uns aos outros mas não dizemos nada. Hoje há OE, hoje temos a angústia do guarda-redes no momento do penálti, hoje vamos discutir o indiscutível mas só uma coisa não tem alternativa: insistir em vez de desistir. Insistir na mudança. Não seremos nós, será o tempo a rasgar o OE.
.. não vamos pagar esta dívida pública, não é possível pagar 120% do que se produz se o que se produz não aumenta. O que aumentará são os 120%. Porque o PIB vai cair mais. Porque há dívida por reconhecer (em empresas públicas, em "swaps", em "factoring", em parcerias público-privadas que vão falir e ser nacionalizadas). Para baixar para o nível de Maastricht, 60% do PIB, seria preciso amortizar uns cem mil milhões de euros. Cinco mil milhões durante 20 anos! Seriam seis meses de IRS só para reduzir dívida. Não dá.
... os alemães não podem perceber. Pagar a dívida não é "ideia de criança", não nos podemos "marimbar para os credores", nem simplesmente dizer "não pagamos". Há outras formas de perdão que o não são. Como conceder empréstimos baratos a longos períodos. Assim se fez com a Alemanha após a Guerra.
... nem um perdão chega. A austeridade é necessária, mesmo que toda a dívida desaparecesse por magia, as finanças não estariam bem. No próximo ano, depois do maior aumento de impostos de sempre, será a primeira vez em democracia em que as despesas do Estado (excluindo juros) serão menores que as receitas.
... estamos a entrar em espiral recessiva. Desde Maio que o défice se descontrolou. A próxima execução orçamental mostrará que Setembro foi catastrófico, pois o anúncio inesperado para a maioria das pessoas de austeridade radical levou à travagem do consumo e à suspensão do investimento.
... o Governo vai falhar a meta do défice. Começando pela receita fiscal. Ainda não se conhece todo a proposta de OE, sabe-se o suficiente para saber que o "maior aumento de impostos de sempre" não vai gerar "o maior aumento de receitas de sempre".
... a economia vai cair mais de 1% em 2013. O erro agora reconhecido pelo FMI quanto ao efeito multiplicador da austeridade garante isso. O PIB vai cair mais.
... o Governo português falhou. Falhou porque deixou para dois conselhos de ministros de 30 horas o que não fez em 15 meses, preparar cortes de despesa. Falhou porque improvisou, avançou e recuou, não estudou nem criou alternativas. Hoje, serão apresentados incentivos ao crescimento económico. Esperemos que sejam medidas analisadas.
... este OE é para alombar, mas não é para levar muito a sério, porque vai falhar. A austeridade vai acontecer, os objectivos orçamentais e macroeconómicos não. O que vai acontecer é que não vamos pagar a dívida, vamos ter mais tempo para reduzir o défice e a troika vai mudar a política que nos impôs.
É o desespero? Não! É preciso influenciar esse desfecho. Há alternativas. Cá dentro, na política orçamental. Mas sobretudo lá fora.
Este descalabro tem responsáveis e nem todos foram eleitos por nós. Merkel é responsável, Barroso é responsável, Lagarde é responsável – e foi a única que já assumiu o erro.
É preciso mais. O FMI tem de ser consequente, a UE tem de assumir o erro e ambos têm de dar mais tempo a Portugal, mas criando condições de credibilidade junto dos mercados financeiros, intervindo de modo a garantir taxas de juro baixas, em mercado primário e secundário, o que passa por mecanismos de compra de dívida, como o BCE já se disponibilizou a fazer.
Passos Coelho é responsável. Tem alternativas que nunca discutiu, como baixar impostos e aumentar preços de acesso à saúde ou ao ensino. Talvez seja errado, não se sabe, não foi estudado, mas é uma alternativa que se esperava de um Governo liberal. Mas sobretudo: Passos é responsável porque troca os pés, não lidera, está um cata-vento.
É preciso ser consequente. É possível fazer política com decência. O Governo escolheu o alvo errado, a guerra não se ganha contra o povo, nem pedindo ao povo que morra, ganha-se pressionando as instituições internacionais, como disse este fim-de-semana Jorge Sampaio numa excelente entrevista. É preciso cumprir o que nos pedem e fazer disso degrau para exigirmos, negociarmos, para merecermos a racionalidade da tolerância. É preciso dar ajuda interna à ajuda externa.
É preciso voltar a ter um plano em que confiemos. Este falhou. Este vai falhar.Pronto, não digam nada, guardem silêncio, há uma encenação para cumprir, por causa das opiniões públicas dos países do Norte, por causa dos gajos dos mercados. Guardemos os falhanços para nós e, aqui que ninguém nos ouve, fechemos os parêntesis e escrevamos uma única frase, audível e responsabilizadora).
Os portugueses têm de pagar austeridade. O Governo tem o dever de garantir a sua racionalidade, equidade e propósito. A UE e o FMI têm de mudar de plano – eles não são só credores, são responsáveis. E nós não podemos deixar que eles se esqueçam disso. Fazê-los merecer o próximo Nobel da Paz.
[Pedro Santos Guerreiro, hoje, no Jornal de Negócios. Houve quem dissesse que isto não é um editorial, é um manifesto político. Eu também acho. E gosto.]
Agustina!
Onde quer que esteja, Agustina faz hoje 90 anos. Quando tudo falta e falha, há sempre gente e livros assim que nos fazem ter vontade de celebrar a vida. Parabéns, Agustina.
"Quanto mais o seu coração se reconhecia perto de Simão, mais pres
cindia de o ter junto dela. Não tinha nada que lhe dizer, porque não desesperava dele. Nel pensou que nunca tinha estreitado a mão dele de maneira significativa. "Somos como estranhos" - observou. Era uma coisa maravilhosa esse abismo na vida de duas pessoas, com seus tempos separados, de desejo, de procriação e de trabalho. O amor era talvez uma longa rebelião absorvida pela paz de cada um."
Agustina Bessa-Luís, As pessoas felizes
domingo, outubro 14, 2012
sábado, outubro 13, 2012
sexta-feira, outubro 12, 2012
A piada do dia...
... ou talvez nem para piada seja boa esta ideia peregrina de atribuir o Nobel da Paz à União Europeia. Depois de ano passado o terem atribuído a Obama como acto de fé, não me admiraria se no próximo ano o oferecessem à China.
quarta-feira, outubro 10, 2012
Red line
Sou fã do José Gomes Ferreira, mas hoje ultrapassou a linha vermelha. Uma das entrevistas mais surreais em televisão. Um jornalista não pode tudo. Não pode definitivamente fazer isto.
terça-feira, outubro 09, 2012
Outono
Hei-de te amar, ou então hei-de chorar por ti
Mesmo assim, quero ver te sorrir...
E se perder vou tentar esquecer-me de vez.
segunda-feira, outubro 08, 2012
domingo, outubro 07, 2012
Eduardo Galeano: Bocas del tiempo
“Vive en el viento. Vuela siempre, volando duerme. El viento no lo cansa ni lo gasta. A los sesenta años, sigue dando vueltas y más vueltas alrededor del mundo. El viento le anuncia de dónde vendrá la tempestad y le dice dónde está la costa. Él nunca se pierde, ni olvida el lugar donde nació; pero la tierra no es lo suyo, ni la mar tampoco. Sus patas cortas caminan mal, y flotando se aburre. Cuando el viento lo abandona, espera. A veces el viento demora, pero siempre vuelve: lo busca, lo llama, y se lo lleva. Y él se deja llevar, se deja volar, con sus alas enormes planeando en el aire".
quinta-feira, outubro 04, 2012
terça-feira, outubro 02, 2012
Pedro Santos Guerreiro: Sitiados
O País não voltará a ser o mesmo. Mas precisa de reagrupar esforços, recuperar propósito, dialogar. A reconstrução tem de começar no local da destruição: no Governo. A crise política não está resolvida. E o primeiro-ministro ou remodela ou será remodelado.
A questão política é simples: o Governo tem de aguentar-se e nós temos de aguentar o Governo. Foi para isso que foi eleito e sem equívocos, com papel da troika passado. O PSD tem de governar, o PP coligar, o PS fazer oposição, todos com esmero. Não é um desejo, é a sua obrigação. Mas o Governo parece bloqueado, entre a inércia da máquina do Estado, a descoordenação política e a desmobilização de um primeiro-ministro que se tornou ele mesmo no problema.
Não é possível recuperar a estabilidade social e política anterior a 7 de Setembro, mas é possível reatar pontos de contacto. A primeira coisa a fazer é esquecer a medida da TSU. Tal como ela foi apresentada, ela está morta e as três intervenções feitas na última semana (Moedas, Passos e Borges) mostram ressentimento e mau perder. É possível mexer na TSU - há anos que há políticas activas de criação de emprego com descontos da TSU, por exemplo - sem lançar uma luta de classes.
A segunda coisa a fazer é largar Passos Coelho num templo budista para que ele reencontre a humildade de outros tempos. O primeiro-ministro fechou-se numa torre de marfim, vitimiza-se na sua incompreensão, só ouve quem quer e não ouve quem critica. É um perigo habitual, o dos yes-men, os homens-sim. E Passos cismou. Cismou tanto que já não se percebe: Passos rodeou-se de homens-sim ou é ele próprio o homem-sim dos que o rodeiam? A terceira necessidade é de coordenação política. O Governo falha quando não se relaciona internamente, quando deixa que outros falem por si (e contra si), quando expõe o primeiro-ministro a recuos humilhantes.
O fim da linha é uma remodelação. Mas uma remodelação feita a pensar na gestão interna, não a pensar no equilíbrio entre o PSD e o PP, no equilíbrio entre barões do PSD, nem na imagem externa. A imagem externa vai ser medida por uma singeleza: se Miguel Relvas fica ou sai. Mas internamente, é preciso liderança e coordenação que têm falhado. Não pode haver um "lá dentro" e um "cá fora". É a partir de uma equipa forte e coesa que se faz política.É revelador que tenha de ser uma secretária de Estado do Tesouro, um lugar de tecnocrata, a falar de esperança. "Precisamos de esperança", afirmou ontem Maria Luís Albuquerque. "Vai ser difícil, não vamos poder voltar ao Portugal [de antes] mas, no final deste duro caminho, teremos lançado bases sólidas para a prosperidade futura de Portugal." Devia ser o primeiro-ministro a dizer isto, demonstrando porquê e assumindo erros em vez de culpar o País.
O que ameaça hoje o futuro do País não é a mobilização de desempregados é a desmobilização de empregados. Por causa dos impostos, das injustiças, da falta de crença. O mais terrível comentário às declarações de António Borges foi o de Fortunato Frederico, o maior dos empresários do calçado, a quem o País deve elogio: "Apetece desistir". É agonizante. Se as forças vivas começam a desistir não há futuro. É por isso que é preciso política. Para saber o quê e o porquê das nossas misérias. Para resistir. Para lutar. Para lutar é preciso justiça e equidade nos esforços. Não há. É preciso que o corte na despesa do Estado seja mais do que salários e pensões. Com a notável e dolorosa excepção da saúde, não é. É preciso desempregar clientelas partidárias e políticas. Não se faz. É preciso palavra e consistência política. Desapareceram.
O Governo sofre da paralisia política e orgânica. Uma remodelação pode não resolver nada, mas é melhor lancetar o que apodrece. Este bloqueio inerte sitiou o Governo numa contagem decrescente penosa para o Orçamento do Estado. E ou há governo a sério ou ele cairá. Não pode. Não deve. Não é aceitável.O ministro mais fragilizado não é o das Finanças, o da Economia, o dos Assuntos Parlamentares nem a da Agricultura. É o primeiro-ministro. Alguém tem de ter coragem para lhe dizer. E ele tem de ter coragem para ouvir, limpar a garganta, cerrar os punhos e dar o exemplo ao País: lutar.
[Hoje, Jornal de Negócios]
segunda-feira, outubro 01, 2012
Spanish Protests, German Prescriptions
Demonstrators have been filling the streets of southern Europe’s capitals in numbers too large for politicians to safely ignore, protesting the latest economic austerity measures. Hundreds of thousands have turned out in Lisbon, Madrid and Athens, and more such protests are likely in coming days.
The public’s patience is running out on austerity policies demanded by the German government and European Union leaders, which have conspicuously failed in their stated goal of reducing debt burdens and paving the way for economic revival. Instead, it’s clear that these measures will accelerate depression-levels of unemployment and damage social safety net programs when they are most needed.
The spotlight is now on Spain, where Prime Minister Mariano Rajoy is struggling to make new budget cuts, without provoking further explosions of anger at home and fueling secessionist talk in restive regions like Catalonia, the country’s economic powerhouse. But the harsh mix of new public service cuts, pay freezes and tax increases that Mr. Rajoy announced last week will almost certainly make both the political and economic situations worse. Experts now forecast a second straight year of negative growth in Spain for 2013, while unemployment, at more than 25 percent, is more than double the European Union average.
Yet unless Spain goes through with those self-defeating measures or the Spanish economy miraculously produces new tax revenues to meet unrealistic budget targets, Germany threatens to hold up a desperately needed new European banking union that would help recapitalize foundering Spanish banks. Unlike Greece and Portugal, Spain has, so far, avoided a formal European Union bailout. That gives it a little more freedom to set its own economic course. But Mr. Rajoy is not really a free actor. Without German approval for the European banking union, Spain, too, could soon be forced into a binding debt bailout deal.
Spain’s current debt problems are not the result of profligate government spending during the boom years. They came from the abrupt collapse of a reckless housing bubble in the private sector, fueled by artificially cheap credit. The bursting of that bubble wiped out millions of Spanish jobs, dragging down tax revenues and consumer spending. It also forced the government to pledge billions of euros that it did not have and could no longer raise to rescue its tottering banking system. New cuts to remaining jobs and spending power will not bring recovery. It would only bring further misery and turmoil
Mr. Rajoy also wants to rein in spending by Spain’s 17 regional governments, which pay a large share of education and health care costs. Regional governments squandered billions on wasteful public-works projects during the boom years. But that money is lost, and health and education should not be subject to big cuts even in hard times.
Nor is a deep recession the right time to tackle the long-term problem of pension costs and the demographics of an aging population. With unemployment benefits ending for many of the long-term unemployed, pension payments are the main remaining source of income for hundreds of thousands of extended families.
There are no easy places left for Mr. Rajoy to cut services or spending without risking social disaster. The story is much the same in Greece and Portugal.
Time is running out. Only a sharp change in economic policies can save the euro. European leaders — most of all Chancellor Angela Merkel of Germany — need to recognize that returning the euro zone to solvency will require renewed efforts to encourage economic growth through less rigid budget targets, not continued austerity imposed on desperate governments by Berlin and Brussels.
[Hoje, The New York Times]
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