[Paulo Nozolino]
Os suíços são uns sonsos. Dizem-se neutros mas é só porque é bom para o negócio. Há portugueses que lá desaguam o seu dinheiro, o de angolanos - e o nosso. As contas suíças são o perfeito dormitório onde se lavam as almas. Nas calmas.
A Suíça é apenas um destino. Há outros, asiáticos, onde se fazem ainda menos perguntas e não sequer há respostas. Mas neste caso é a Suíça, a mesma Suíça de sobrinhos taxistas, que serviu de refúgio de capitais que saíram sem declaração de rendimentos, sem reporte nem recorte fiscal, de Luanda e de Lisboa. Na boa.
A operação "Monte Branco" tem uma origem arrepiante, de um caso de assassinato no Brasil de que Duarte Lima é suspeito, no funesto processo da herança Tomé Feteira. E terão sido declarações precisamente de Duarte Lima que levaram à detenção há uma semana de três suspeitos de gerir uma gigantesca operação de fraude fiscal e lavagem de dinheiro para grandes clientes portugueses. O caso, sabe-se agora, estava já a ser investigado pelo Ministério Público, na sequência da Operação Furacão - que se candidata a maior encenação de justiça económica de sempre: dezenas de arguidos cuja inocência é comprada sob a forma de pagamento de impostos. Fizeram uma repartição de Finanças do Tribunal. Tudo normal.
Nas suspeitas da Justiça, Michel Canals é o cabecilha da rede. Canals terá uma lista de clientes cuja existência já pôs meia Lisboa, Cascais inteira e algumas câmaras municipais a tomar calmantes. Até porque há receio justificado de misturar alhos e bugalhos: a gestão de fortunas é uma coisa legal, o planeamento fiscal é outra coisa legal, a fraude e lavagem de dinheiro são crimes. E todas são serviços que podem ser prestados por gente da mesma natureza. Uma beleza.
Ser cliente, ser investigado, estar sob escuta ou conhecer Canals não faz de ninguém suspeito. Ser constituído arguido e acusado sim. E esse processo vai desenvolver-se agora, sob orientação de Carlos Alexandre e Rosário Teixeira, pelos vistos sem grande sigilo. Mas tudo tranquilo.
Atirar nomes para a ventoinha é uma insídia, mas quem procura tão perto não pode perder o que se vê ao longe. Que a operação "Monte Branco" revela que há um submundo no alto dos arranha-céus. Que gente que condena os que "vivem acima das suas possibilidades" tem menos honra, ética e vergonha que um rato. Que enquanto um país inteiro se derrete na incineradora dos impostos, dos salários, das pensões, do desemprego, da austeridade, há dinheiro sacado e expatriado. Que os mesmos que cofiam bigodes por causa dos restaurantes que não pagam IVA e das casas subdeclaradas são os que tiram dinheiro daqui para fora, com um bom génio da finança, advogado ou padrinho. É limpinho.
O que a "Visão" ontem revelou mostra outro entalhe do caso. O de uma espécie de "Angola Connection", uma estrutura de poder que se estende de Luanda até Lisboa, passando pelo BES Angola, um ramo do Grupo Espírito Santo que de Espírito Santo pouco mais tem do que o nome, pois parece ter vida própria e paralela, controlado por accionistas locais. Em Lisboa, essa estrutura angolana está a ganhar um poder grande, que inclui operações imobiliárias, ambições na comunicação social e relações na política, como conta a "Visão". Nem todos os angolanos são iguais, mesmo os ricos. Como nem todos os portugueses são iguais, mesmo os ricos. E se é verdade aquilo de que a Justiça suspeita e os jornais noticiam, esse poder tem de ser questionado. Fazer perguntas não é fazer uma cruzada. "No pasa nada".
E tudo acaba na Suíça. A Suíça não tem culpa, tem desculpa, mas a sua esmagadora monotonia tem este simbolismo adequado aos agentes que transferem dinheiro sem rosto nem rasto. Gente que detesta o alarde porque se encobre no silêncio. Gente que se diz discreta mas é secreta. Gente que se faz de transparente mas é só invisível. Clarice Lispector, quando se aborrecia de morte precisamente na Suíça, escreveu em "A Cidade Sitiada": "Vivo no quase, no nunca e no sempre. Quase, quase - e por um triz escapo." E por um triz escapam...
[Hoje, no JNegócios]
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