O novo primeiro-ministro espanhol teve a ousadia de dizer que não consegue cumprir o défice acordado com Bruxelas. Ousadia e sensatez, porque não vai mesmo conseguir.
O paradoxo que se abateu sobre nós está bem espelhado na semana que acabámos de atravessar. Na segunda-feira, ouvimos Paul Krugman dizer em Lisboa que este caminho não nos leva a lado nenhum mas que estamos a fazer tudo bem. Ontem, vimos o primeiro-ministro espanhol – acabado de chegar ao poder numa vitória esmagadora do PP – desafiar Bruxelas e os mercados ao dizer que não vai cumprir o défice, porque isso seria dramático para Espanha.
Já sabíamos que vivíamos tempos estranhos, mas o mundo está mesmo de pernas para o ar. Quem esperava ver Krugman a arrasar o Governo ficou decepcionado. E a linha dura que olhava para Rajoy como um monetarista deve ter tido uma síncope ontem à tarde.
Afinal, o primeiro país a desafiar Bruxelas e Berlim não foi um Estado sob resgate nem uma chancelaria tomada de assalto pela extrema-esquerda ou por um grupo de neokeynesianos. Não, quem rasgou o compromisso de atingir um défice de 4,4% este ano foi a Espanha, governada por um primeiro-ministro que garantiu uma execução orçamental implacável e prometeu acabar os anos de despesismo de Zapatero.
Em Portugal há já quem exija ao Governo a mesma ousadia. Mas uma decisão dessas não tinha pés nem cabeça. Há uma enorme diferença entre nós e Espanha. Portugal está sob resgate, Espanha depende do financiamento dos mercados. Se Portugal tomasse unilateralmente a decisão de não cumprir as metas do défice ficava sem financiamento dos nossos credores. Com a decisão que tomou, Espanha enfrenta sozinha os mercados.
É por isso que a decisão espanhola é histórica. Arrisca um processo da Comissão Europeia por apostar num défice de 5,8% (contra os 4,4% prometidos), críticas violentas de Bruxelas e Berlim e revisão imediata das agências de rating. A primeira reacção dos mercados não foi simpática. O risco da dívida espanhola subiu para o mesmo nível da italiana. Mas o verdadeiro teste só será vivido quando Espanha tiver de emitir dívida de médio prazo.
Com plena consciência do que está a fazer, Rajoy pode condicionar o futuro da zona euro. Se os mercados aceitarem a sua decisão e financiarem Espanha apesar do “mau” resultado do défive de 2012, Bruxelas e Berlim sofrem uma derrota histórica. O que Espanha quis dizer é que é possível chegar ao mesmo ponto – défive de 3% em 2013 – sem ter de travar tão bruscamente este ano. Se o caminho estiver certo, talvez esta tenha sido a melhor notícia que Portugal recebeu em muitos meses. Resta esperar.
Ricardo Costa, hoje, no Expresso
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