[Olivia Bee]
Construir argumentos a partir de premissas falsas é uma das mais velhas tácticas da política. O objectivo é sempre demonstrar que a culpa é do outro. Não basta o catálogo de ficções que nos são oferecidas nas campanhas eleitorais. Em momentos sérios e críticos como o que vivemos percebe-se que nada muda no imutável jogo de ficções em que se entretêm os partidos políticos portugueses.
Os do arco do poder e os outros. O regime entrou em impasse e a crise financeira (que é sobretudo política e cultural - porque nenhum partido apresenta um modelo de futuro para Portugal) é um sintoma dessa falência. Os portugueses vagueiam hoje entre a melancolia e a saudade que Teixeira de Pascoaes nos legou e um Quinto Império que ainda está por cumprir e que o Padre António Vieira, Fernando Pessoa ou Agostinho da Silva delinearam.
Mas o pior é que, passadas tantas décadas depois da derrocada com um sopro do Estado Novo, Portugal volta a entrar no labirinto sem saída. Este país está a tornar-se novamente uma guerra de trincheiras entre quem tem acesso ao poder e quem não tem. Não é já a classe social, a idade ou o sexo que delimitam o futuro. É estar no círculo do poder. E a culpa maior em tudo isto é do arco do poder político que fez do Estado, mesmo quando põe poses liberais, o poder com uma mão visível muito longa. Aquilo que nos últimos dias se viu mostra o esgar anacrónico do regime: PS e PSD (este com o CDS) pedem à vez uma comissão de inquérito parlamentar sobre o caso BPN. Aquele caso, se bem se lembram, do banco que simbolizou este regime, que já custou milhares de milhões de euros dos contribuintes e onde não há um único culpado sobre a catástrofe.
Na sua ânsia de fazer comissões de inquérito de onde nada sairá de relevante, porque a ninguém interessa lavar a roupa suja da máquina BPN, os partidos do arco do poder mostra uma coisa simples. Criam comissões de inquérito para que nada de real seja inquirido. E que tudo não seja mais do que formas de arranjar pedras para arremessar para o outro lado do Parlamento. É assim que um regime se esgota e se esvai. Enquanto os portugueses agoniam com uma crise económica sem limites, com um fisco que lhe saltou para a garganta, e com uma austeridade que tudo está a destruir, PS, PSD e CDS vão-se entretendo a escrever telenovelas. Cheira a fim da Monarquia Constitucional. Cheira a fim da I República. Cheira a fim do Estado Novo.
As comissões de inquérito do PS, do PSD e do CDS ao BPN só merecem uma coisa: uma gargalhada. Porque demonstram que o regime continua a brincar como se a situação de Portugal não fosse séria. Há muitos anos Hannah Arendt, uma autora que deveria ser uma referência para os partidos do arco do poder, escrevia em "A Condição Humana": "O que estamos a ser confrontados é com a perspectiva de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única actividade que lhes foi deixada. Seguramente, nada poderia ser pior".
Arendt via o futuro. E este futuro é o nosso presente, real em quase 15% de desempregados e com a perspectiva de a evolução ser galopante este ano e muito provavelmente no próximo. Assistimos assim a uma comédia sem arte por parte do PS, PSD e CDS, em que o jogo político se sobrepõe ao interesse real dos portugueses. Mas é assim que caminhamos alegremente para a insolvência do regime que julgamos democrático e que se está a tornar numa fortaleza onde alguns têm acesso ao poder e aos benefícios daí decorrentes e a maioria fica às portas, indefesa perante as invasões bárbaras.
[Hoje, no JNegócios]
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