Ao fim dos primeiros vinte minutos, estou ao despique com Rui Rio. O desafio é ver quem boceja mais vezes. Não sei quem ganhou - às tantas, empatámos, mas pelo menos não adormecemos. Nem todos os deputados socialistas poderão dizer o mesmo. Rectifico: devo ter ganho eu, que fiquei até ao fim. Sempre me deu a vantagem de uns bocejos extra.
A Oposição da Câmara Municipal do Porto pediu uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal - ocorrida ontem à noite - para debater a situação do Rivoli depois de o Tribunal ter-se pronunciado sobre a ilegalidade que terá estado na origem da concessão daquele Teatro a Filipe La Féria. O PSD estava lá todo, inclusivamente munido de directores municipais, não fosse dar-se o caso de ser confrontado com alguma pergunta cuja resposta poderia não estar na ponta da língua. Estranhamente, o PS esqueceu-se de mandar os vereadores, mesmo aquele que assinou a Providência Cautelar à qual a decisão judicial foi favorável. Apareceu apenas Ana Maria Pereira, quase invisível, mais tarde. A CDU, idem aspas. Apareceu Rui Sá, mudo, já o espectáculo ia avançado. A sessão estava marcada para as 21 horas. Começou atrasada. E às 21.30 horas, confrontado com a ausência de inscrições, já o presidente da mesa, José Pedro Aguiar-Branco, ameaçava encerrar o serão.
Feridos no seu orgulho - oco orgulho partidário, e não das convicções firmes - os deputados começaram a pedir a palavra. Não porque tivessem realmente alguma coisa a acrescentar. Queriam só fazer de conta que estavam realmente a debater o assunto. Pior: queriam fazer de conta, embora não tenham conseguido, que sabiam o que estavam a dizer e que sabiam para onde queriam ir. Não sabiam. Nem uma coisa nem outra. Mesmo como espectáculo, não poderia ter sido mais desolador. Se a entrada fosse paga, eu teria pedido devolução do dinheiro no fim.
Artur Ribeiro (CDU) já tinha inaugurado a sessão, roçando muito ao de leve o assunto que motivara a Assembleia. José Castro (BE) seguiu-se-lhe, enunciando o que considera ser uma "desconsideração" pela própria Assembleia, pela Justiça e pela cidade. Divagações, portanto. São os dois incontornáveis naquele palco. E Justino Santos (PS) limitou-se a ler um texto sobre o historial do Rivoli para justificar a posição socialista. Ao primeiro round, o vazio completo. Nada de novo. Pior, nem uma pergunta dirigida a quem quer que fosse.
Segundo round, o tal para o qual eram necessárias inscrições. No caso, feitas a saca rolhas. Gustavo Pimenta (PS) vai dizer o que já havia sido dito. E acrescenta que o problema não é bem La Féria, nem bem os espectáculos dele, nem bem.... hmmm, bem o problema é.... Sérgio Teixeira (CDU) vai ao púlpito dizer apenas que o silêncio da sala afecta a dignidade do órgão e regressa mais tarde, consolado por acreditar que foi o seu desabafo a motivar a súbita, embora paupérrima, participação dos deputados. José Castro (BE) regressa também para - pasme-se! - ler um texto assinado por Marcelo Mendes Pinto (CDS), ex-vereador da Cultura no primeiro mandato de Rui Rio, tecendo-lhe os maiores elogios. (Em nenhuma outra área que não a da política se passa assim de besta a bestial!) E para acrescentar que o problema não é bem La Féria, nem bem os espectáculos dele, nem bem.... hmmm, bem o problema é.... Justino Santos (PS) regressa também para partilhar com a audiência a sua pessoal agenda cultural e para atestar o quanto gostou - pede perdão a Deus para proferir o pecado - do musical laferiano "Jesus Cristo Superstar", para dizer que até vai com os filhos, na próxima quinta-feira, ver a "Música no Coração" e bem, para acrescentar que o problema não é bem La Féria, nem bem os espectáculos dele, nem bem.... hmmm, bem o problema é....
A cereja não coube ao PSD, porque é difícil eleger uma cereja numa cerejeira repleta de frutos. Ainda assim, Gabriela Queirós (PSD) pediu a palavra para, resumidamente, dizer isto: "Ok, a decisão da Câmara é ilegal. E depois? Ajudem-nos a encontrar uma forma para tornar isto legal". Seria desastroso se tivesse sido apenas isto. Mas a deputada, bem ou mal, populista ou não, atirou números para cima da mesa: 2400 pessoas frequentam hoje diariamente o Rivoli, sendo a previsão anual de frequência de 392 mil pessoas contra as 132 mil verificadas no passado.
Como ninguém havia feito o trabalho de casa, não havia como contestar. E como ninguém sabia o que estava ali a dizer, a fazer, a defender, agarraram-se todos aos números e, eis que, de repente, a Oposição esqueceu-se que o motivo da Assembleia não era nem o serviço público, nem a estratégia cultural da Câmara, nem a formação de públicos. Ontem, não era isso. Porque isso já havia sido vastamente discutido. Mas como eles não sabiam o que era, qualquer casca de banana era boa para escorregar. Escorregaram todos.
Rui Rio, estóico, aguentou-se calado. Com toda a justa propriedade. No lugar dele, também não teria aberto a boca. Abriu apenas uma breve excepção para voltar a explicar a teoria dos 5% das receitas líquidas do Rivoli que La Féria temporariamente não terá que pagar à Câmara. E abalou.
Na assistência, estavam os resistentes que se barricaram no Rivoli. Sozinhos, como se não passassem afinal de um bando de loucos que cismou que o Teatro tem outras obrigações. Os únicos que sabiam o que estavam realmente ali a fazer e a dizer; os únicos que fizeram as perguntas certas. Tarde demais. Já não havia quem lhes pudesse responder. E estava também o povo da cidade. Gente que não tem nada a ver com nada, mas que vai ali como quem ia, em tempos idos, ao Coliseu de Roma. Ver um espectáculo selvagem. Não lhes importa o assunto; importa o quanto se divertem com aquele circo. É um circo.