Em Rio Tinto discutem-se os direitos de ocupação do cemitério. A Junta de Freguesia oferece duas alternativas: sete anos com uma taxa de 35 euros renovável por duas vezes ou 1500 euros para alcançar a eternidade. Será o preço-privilégio para quem quer ter num terreno há muito lotado a morada eterna. Quem não tem dinheiro revolta-se. Acha que é uma perseguição aos pobres. Em Portugal, a casa dos mortos é tão importante como a casa dos vivos. As flores têm que estar frescas e viçosas; os afectos tanto faz. O cemitério está inundado de mulheres contratadas para tratar das campas dos outros.
O coveiro, que enterrou milhares de pessoas durante trinta anos e também a mulher, ri. Diz que ri para não dizer tudo o que já viu. E sentiu na pele desde que enviuvou. "Nunca um filho me enviou um tostão para comprar uma flor para a mãe", diz a apontar as mãos ao céu. Hoje é a mulher que lava as sepulturas dos outros que toma conta dele e dos seus 78 anos. Não se queixa. Construíu a casa, avaliada em 25 mil contos, com as gorjetas que ganhou nos funerais e assegura que tem muito mais do que 300 contos amealhados. Só não tem a mulher. Fica ali com a outra, os dois sentados nas escadas do cemitério a recordar os que partiram: os que pediram para ser sepultados na extremidade mais próxima de um café para poderem continuar a pedir copos ao empregado; os que imploraram para não ser enterrados no cemitério onde se dizia que andava o diabo; os que foram apanhados desprevenidos e novos demais. O coveiro continua a rir. Já não enterra mortos. "Cansei-me". Mas continua a vesti-los. "Medo?", volta a rir. "Medo é dos vivos e mesmo desses..."
Parabéns, Helena!
ResponderEliminarChamaram-me a atenção para este texto. E gostei do que li, muito. Tanto que decidi reproduzi-lo no meu blogue. Espero que não me leves a mal. É que escreveste uma linda história de amor.