Jorge Vaz de Carvalho promete "reagir ferozmente" se os 94 músicos que actualmente integram a Orquestra Nacional do Porto (ONP) não transitarem todos para a Casa da Música. O director da ONP, que terminará funções dentro de três meses, vai mais longe e sublinha que não basta incorporar os executantes - é preciso também contar com a mais-valia de técnicos e administrativos. Muito crítico em relação à forma como todo o processo está a ser conduzido, Vaz de Carvalho reforça a necessidade de um "estatuto especial" para a estrutura sinfónica e sublinha as dificuldades que a ONP já está a encontrar: "A Casa da Música tem uma sala de ensaios onde a orquestra não cabe toda".
(Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada no Jornal de Notícias a 9 de Setembro de 2005)
Por que é que o seu mandato, que não foi renovado, foi prolongado por mais três meses?
Tendo em conta que o Ministério da Cultura decidiu que a Orquestra Nacional do Porto (ONP) vai ser integrada na Casa da Música (CdM), perdendo autonomia como instituto público, não fazia sentido renovar o mandato. Entretanto, o secretário de Estado pediu-me que ficasse em funções até à integração, e eu aceitei porque isso está previsto na lei. Farei, apenas, uma gestão corrente, uma vez que a época de 2006 já está planificada.
A ONP passa a ser um agrupamento como o Remix?
Suponho que sim.
Ou seja, o contrário do que sempre defendeu...
Sempre afirmei que a ONP não devia integrar a CdM em pé de igualdade com os outros agrupamentos. O peso artístico e funcional é incomparável. Basta olhar para a programação da CdM para se perceber que a ONP é o motor daquela Casa, e que, sem ela, a CdM nem teria razão de existir. A ONP devia ter um estatuto especial. Mas isso tem a ver com uma lógica funcional que não é a de quem decide. É interessante comparar os salários: há músicos do Remix que reprovaram nos testes de adesão à ONP e, no entanto, ganham infinitamente mais.
Herdou 49 músicos da ONP. Quantos existem agora?
Construí uma orquestra sinfónica com 94 músicos. Mas a ONP é também o pessoal técnico e administrativo - pessoas de grande qualidade técnica e humana, que vai ser a grande mais-valia da CdM.
Todas passarão para a CdM?
Nem me passa pela cabeça que uma instituição que se quer de excelência possa prescindir de pessoas com esta qualificação. Sem a qualidade da minha coordenadora artística de produção e dos técnicos de palco, a CdM não teria aberto, na data em que abriu, sem problemas.
Mas é líquida a transferência total dessas pessoas?
Para mim, é. Se isso não acontecesse, seria profundamente injusto. Seria uma atitude ignóbil. E se assim não for, reagirei ferozmente na Comunicação Social. Espero que a integração seja pacífica mas, na realidade, não sei de nada.
Não seria expectável que estivesse mais informado?
Já estou habituado a não ser ouvido sobre coisas importantes. Por isso é que a CdM tem uma sala de ensaios onde a orquestra não cabe. E um palco subdimensionado e problemas logísticos e estruturais que têm sido um verdadeiro teste ao profissionalismo dos músicos.
Como é que funciona uma orquestra que não cabe na sala
Com grande paciência. Compreendemos que não é possível ensaiar sempre no grande auditório, mas devia ter sido pensada uma sala de ensaios com tamanho e condições de ergonometria, qualidade acústica, temperatura e dimensão do próprio espaço que permitam condições normais. É pena que isso não aconteça num edifício que custou o que custou. Aliás, se pudesse, mandava instaurar um inquérito para saber quem deu as medidas das salas ao arquitecto e quem permitiu que fossem separadas por vidros.
Também aposta na integração do maestro Marc Tardue?
Ele tem contrato até ao fim de 2007. Na última renovação foi-lhe acrescentada uma cláusula em que o contrato pode ser rescindido unilateralmente, seis meses antes. Seria ignóbil que alguém da CdM não honrasse o contrato do maestro até ao fim. Se o futuro director for uma pessoa de bem e tiver a qualidade esperada, é evidente que não irá cometer essa injustiça.
Encontra vantagens na integração da ONP na CdM?
Tem uma grande virtude: houve grandes restrições orçamentais na ONP, mas como a CdM não as tem, é evidente que será possível, em 2006, contratar um nível de maestros e solistas superior. Não os pude contratar - não porque não os conheça ou porque precise receber lições de qualquer director artístico -, mas porque nunca tivemos os privilégios orçamentais que, pelos vistos, a CdM tem.
Concorda que a acústica é uma das melhor do Mundo?
Nem nada que se pareça. O Europarque tem muito melhor acústica. E tem fosso e teia. E o recém inaugurado de Faro tem uma acústica notável. A da CdM deve ser corrigida urgentemente.
Sente alívio por não fazer parte de uma integração com a qual não concorda, ou lamenta não fazer parte disso?
Não é uma questão sentimental; é uma questão lógica. Quando está a tratar-se de coisas importantes, que podem definir estratégias que condicionam o funcionamento de uma instituição tão grande, tão ambiciosa e tão cara como a CdM, as pessoas que estão no terreno e que conhecem as questões devem ser consultadas. Mas era o que me faltava: tomar qualquer iniciativa para me apresentar como candidato a uma dessas reuniões! Nunca farei essas figuras na vida. Sempre que for necessário, estarei disponível.
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