"tréguas, a partir de hoje vai ser tudo diferente, ainda não sei como, o futuro é muito difícil de imaginar, esta sala não se parece nada com a sala que tinha imaginado para este dia, não tem os tectos trabalhados, as mobílias em madeira escura, candeeiros de vidro verde, mangas-de-alpaca e mata-borrões, papéis amarelecidos, homens de bigode envoltos em fumo e dobrados pela tosse, deixei-me enganar pelo passado, o futuro só precisa de imaginação, não precisa das recordações que estamos sempre a impingir-nos
(...) sei de tudo num tempo que não é este que está a passar, nem o que já passou, nem o que vai passar, um tempo planificado, acessível por inteiro como as estradas dos meus mapas, o tempo finalmente cartografado como as terras dos meus mapas, sítios que só existem para me esperarem, tempos que só existem para eu os percorra, de cabeça para baixo, suspensa pelo sítio de segurança, num momento em que já não posso existir, num momento que já não pode existir para mim
não há nada que o silêncio não mate"
[É de 2005, foi o segundo romance de Dulce Maria Cardoso, ganhou o Prémio PEN de ficção e o Prémio da União Europeia para a Literatura. É sobre a morte. Não sobre a morte física, como disse a autora, mas sobre "os vivos que são pedaços de mortes, morte do tempo, morte de sonhos, a morte de ideais, a morte que cada nascimento representa". É profundamente comovente. E original.]
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