"O futuro dói-lhe muito. Beber acalma-lhe a dor. (...) A dor de quem não quer que as coisas mudem. Porque têm de mudar os sentimentos e as pessoas, porque não podemos permanecer nas palavras que dissemos. Porque a alegria tem de transformar-se em tristeza, em dor, em palavras do avesso do que já foi dito? Chegou a prometer a Deus que, se voltasse a sentir dentro de si o amor que já tinha sentido, nunca mais ia... nunca mais qualquer coisa... O desespero de quem começa a entender o que é ser humano, e que nada, mas mesmo nada, nos pode fazer andar para trás, no tempo e nos sentimentos. Ser humano é não ter inversão de marcha. Ser humano é ser para a frente, sempre para a frente. E para a frente é para o fim, para a dor, para a decrepitude.
(...) Passou a beber para atrasar a vida. Quando um humano quer ser bom e descobre o medo que a vida encerra no seu interior, é muito raro não querer atrasar ou mesmo boicotar a vida. Querer o bem, e não o conseguir fazer, dói muito.
O maior mal dos nossos tempos é o deserto que construímos para nossas vidas, como se tivéssemos, anos atrás, cortado todas as árvores da nossa humanidade e feito uma replantação só de eucaliptos o que, com o tempo, conduziu à desertificação do humano e aos desertos onde vivemos, desertos que somos. (...) O adubo que alimenta as raízes é o medo, o isolamento e a desconfiança. Olhamos, vemos e cheiramos a deserto. Cheiramos o deserto e cheiramos a deserto."
[Tem a duração de um jogo de futebol, o livro e a leitura do livro. O que fica é muito mais. Absolutamente rendida a Paulo José Miranda.]
Sem comentários:
Enviar um comentário