sexta-feira, setembro 15, 2006

Missão: salvar o Douro



(Fotos: Leonel de Castro)
Não se ouve sequer o ruído trivial da vida a acontecer. O silêncio impera nas casas, quase todas vazias, quase todas no rés-do chão, encardidas pelo desuso e pela passagem do tempo. E nas vielas estreitas, muitas das quais não vão dar a sítio nenhum. Até os homens a carregar cestos das vindimas trilham o caminho com mudez. Só a chuva, a primeira de Outono, parece contrariar o peso daquela quietude. A paisagem, para quem não vive em Casais do Douro, uma das três povoações de Ervedosa, concelho de S. João da Pesqueira, será idílica. Para qualquer uma das cerca de 40 pessoas que ainda lá resiste, alheia às inovações do mundo, é triste.
“É uma vida muito triste”, confirma dona Maria José, mulher de 76 anos, sentada no beiral da porta a tricotar um conjunto de panos para as netas que, tal como as filhas, só a visitam no dia dos fiéis. “Não lhes levo a mal. Elas têm lá a vida delas, chegaram a pisar uvas para ganhar para os estudos”. Tem uma pediatra, uma enfermeira e uma professora de matemática, todas a morar em Vila Real. A quarta filha casou aos 14 anos, já tem seis descendentes e vive em Tabuaço a “limpar a escola”. Os dois rapazes trabalham em Espanha, que ali ninguém lhes dava emprego. “Mesmo para as vindimas, vão buscar gente de fora”.Ela, viúva há 26 anos, vive sozinha a enganar as horas.”Vivo aqui sozinha nesta chafarica. Sozinha com a televisão e as minhas doenças”. Nem no Natal é diferente. Os dias, todos iguais, e as maleitas fazem com que nem sequer abra a cama para dormir. “Deito-me em cima da coberta. Tanto me faz”. Há coisas que a incomodam mais e que também nunca mudaram. “Nunca tive casa de banho. Meto-me para ali num beco escondido com um balde de água quando quero lavar-me. Para o resto, levo uma sachola para enterrar o que faço”.
Em Casais do Douro não há um único café – os dois que existiam fecharam há muito tempo; não há hospital – o Centro de Saúde mais próximo fica em S. João da Pesqueira, a mais de dez quilómetros de distância; a escola primária também encerrou no último ano lectivo – as seis crianças que lá estudavam vão agora diariamente para Ervedosa. O único estabelecimento comercial é a mercearia de Augusto Sobral, no rés-do-chão da casa que comprou “por 60 contos há 43 anos”.
“A vida é muito difícil. Vendo fiado porque ninguém tem dinheiro. Há quem pague à semana; há quem nunca pague. O que hei-de fazer?”, pergunta o homem, 72 anos, cujo filho, como o filho dos outros todos, abalou para outras paragens. “Teve que ir, que isto não é terra de empregos. Nem de empregos nem de nada. Pode passear aqui a qualquer hora que não vê viva alma. Podiam roubar Casais do Douro que ninguém daria por nada”. A culpa, garante, “é dos maiorais” que monopolizam a localidade. “Gente rica com muitas propriedades, muitas casas. Mas não as alugam; preferem tê-las fechadas. A malta nova casa e tem que sair daqui. Daqui a pouco seremos só meia dúzia”, resigna-se.
Manuel Fernandes, tesoureiro da junta de freguesia de Ervedosa, corrobora. “Não é possível fixar aqui novas gerações, porque há um monopólio de três ou quatro famílias que não vendem nem alugam terrenos. Não conseguimos arranjar espaço para construir zonas verdes ou um polidesportivo. Não é possível sequer alugar casa”, lamenta. Daí que a comemoração dos 250 anos da Zona Demarcada do Douro não interesse à população. “As pessoas têm coisas mais urgentes a ocupar-lhes a cabeça: não têm poder de compra, estão cada vez mais endividadas. Se dizem que trabalham na lavoura, o banco não lhes concede crédito. Vivem uma crise terrível, que não é atenuada com o aniversário”, sublinha.
O pessimismo é de tal ordem que a própria Junta tem recusado as sucessivas solicitações para tomar conta dos Correios. “Os CTT dizem que pagam o funcionário. Mas, já sabe como é, daqui a um ano retiram-no para que sejamos nós a assumir o salário. Como não podemos, perderiamos também o Correio. Já perdemos o médico que vinha cá dar consultas; não podemos dar-nos ao luxo de perder mais coisas”.
Dona Otília já perdeu tudo – até a idade. “Não sei quantos anos tenho. Só sei que qualquer dia mudo-me para aquela casa branca, ali ao fundo”. A casa branca é o cemitério. “É a vida de quem sofre do coração. Já não estou aqui a fazer nada”, diz a encolher-se dentro de casa. Só dona Maria, 68 anos, não é atingida pela nuvem de tristeza que parece corroer Casais do Douro. “Quase não ando, vivo de migalhas, mas chega para todos”. Abre a porta de casa e oferece tudo o que tem. “Recebo com amor e com vontade”.

5 comentários:

  1. Foi un povo que conheçi sempre com dificuldades
    Nasci e fui criada nele eté a idade de séte anos:
    jà a 30 anos que nao regreçei porque as poucas lenbranças que tenho de Casais do Douro sao muito dulerosas: mas no coraçao tenho sempre a pequenina aldeia situada entre as colinas a ondo o sol aqueçe os corpos, nos frios Invernos.
    Casais été un dia!!!!!!filha da patria amada

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  2. António Manuel de Magalhães

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  3. Eu vivo nos casais e tenho não se fãs nada nem há cafés onde se possa passar o tempo temos de tare fechados em casa a ver televisão resumindo não há nada para fazer

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  4. CASAIS DU DOURO TERRA DE LAGRIMAS!

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