Ela já me tinha falado dele. Que é ciumento, possessivo, sufocante, cansativo. Que não conseguia viver nesse colete de forças, nessa desconfiança permanente traduzida em telefonemas sucessivos, perguntas repetidas, insinuações que para ela serão sinal da mais absoluta falta de consideração. Ela, uma daquelas meninas especiais e raras e ímpares na nobreza do carácter, acredita que não existe amor sem respeito e que haver amor - ainda -, estará escondido como um trapo no fundo de uma mala, camuflado. Assisti a alguns telefonemas desse homem, de quem sabia apenas que é arquitecto e mais velho do que ela quatro ou cinco anos. Telefonemas sobre amigas que ele jurava não existirem senão na versão masculina, sobre respirações que ele tinha a certeza de ouvir do lado de lá da linha, do lado onde ela estaria tranquilamente avançando sobre uma traição que só existia na cabeça dele. E no coração, porventura ainda mais frágil, mais inseguro desde que ela, atingindo o limite da tolerância, colocara um ponto final na relação.
Ontem, esse homem ganhou um rosto, uma voz, um corpo. Conheci-o no rescaldo do recomeço da relação e no momento exacto em que ele, depois de ter prometido veementemente mudar, voltou a errar. No que ela considera errar. Voltara, mais depressa do que ela teria desejado, a tropeçar no medo de a perder e quis confirmar que ela, a mulher da vida dele, a mulher sem a qual não se imagina capaz de ser feliz, não o estava a preterir. Vi um homem esguio, belo, doce, tímido, a falar sem voz. Petrifiquei. Literalmente. Vi um homem envergonhado, terrivelmente apaixonado, tantos anos depois de se ter apaixonado por ela pela primeira vez, a morrer de pânico de ficar sem a sua menina espevitada, extrovertida, a sua única razão. E vi uma menina-mulher exercer terapia de choque. Como se a terapia de choque pudesse aniquilar a fraqueza dele. Ou a fraqueza de alguém. Vi-o ali, indefeso, lançar-se nessa espiral letal que só experimenta quem tem um medo cego, doente, maior do que as palavras, de perder alguém.
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