segunda-feira, março 02, 2015

Sérgio Figueiredo: Os microgestores


1- O microgestor é mesquinho, é inseguro e é normalmente arrogante. A microgestão não é uma coisa de inteligência nem de visão: há quem veja a floresta e há aqueles que só conseguem olhar para a árvore, o microgestor faz diferente. O microgestor conhece a floresta, entende-a, mas entra por ela adentro de motosserra na mão e corta cada árvore que encontra.

Autoridade e autoritarismo são a mesma coisa. O medo é confundido com respeito. E a pressão com compromisso. O microgestor é um obcecado com regras e método, sendo, porém, o primeiro a transgredir nas primeiras e a detonar o segundo.
Não se trata de colocar os processos acima dos resultados. Isso é o que define o picuinhas, o burocrata parado no tempo, o medíocre missionário que conduz as equipas para lugar algum. O microgestor é pior, é muito mais nefasto, porque se considera um iluminado. Ele é quem mais sabe, impõe a todos a sua inquestionável sabedoria e assim aniquila a cultura de empresa, o espírito de equipa e a responsabilidade individual.
Atribui responsabilidades aos subordinados, mas invade frequentemente a sua esfera de atuação. Motivado pela ansiedade e por espírito competitivo, não tem o dom da paciência, é definitivo nas conclusões e naturalmente instável nas opiniões. Facilmente oscila, vacila, muda de humor e de decisão, sobre as coisas, sobre as pessoas. Não se trata de bipolaridade, o microgestor é simplesmente um ser imprevisível.
2- Há três formas de lidar com um microgestor: a) guardar para si o que pensa, baixar o perfil de comportamento e reduzir a mínimos níveis de desempenho e de produção; b) trocar a gestão pela execução, limitando-se a cumprir ordens; c) pelo contrário, assumir as suas ideias, lutar por elas e não se resignar ao direito próprio da intervenção.
Nos dois primeiros casos, evita-se o confronto. No terceiro, naturalmente compromete-se a carreira. O microgestor não gosta de ser contrariado. Mas, acima de tudo, detesta ser confrontado com erros cometidos por subordinados. Por isso reduz o risco, aniquilando a iniciativa de terceiros. Insiste em ver, rever e voltar a aprovar tarefas e ações já previamente combinadas. É a fase do reporting, dos pedidos desnecessários de trabalho inútil e relatórios redundantes, de reuniões sobre reuniões, horas a discutir a discussão.
A maioria dos microgestores é workaholic e imprime ritmos de trabalho alucinantes a quem deles depende. Preferencialmente rodeia-se de yes-man, gente diligente e cobarde. Rebanhos organizados no caos, conduzidos pelo pavor de agradar, subvertendo prioridades, para que a resposta à última ordem seja a coisa mais importante do mundo. Mais importante até do que a sua própria missão. A relação hierárquica deixa de ser a forma mais eficaz de organização do trabalho. É o trabalho que se organiza em função da relação hierárquica.
3- Há microgestores de sucesso. Ou pelo menos dessa forma percecionados. Mantêm-se longos anos nos cargos, apresentam bons resultados aos acionistas, os únicos stakeholders que verdadeiramente consideram. E estes assumem que é a melhor forma de garantir qualidade a custos controlados.
É aqui que o problema ganha a dimensão institucional. A organização torna-se irremediavelmente disfuncional, muitos dos melhores vão embora e, entre os que ficam, enraíza-se a frustração e a desmoralização, toda a estrutura é por aí abaixo contaminada.
Não há sucessos sustentáveis, não há resultados que resistam no tempo quando o "moral das tropas" é baixo, de forma duradoura e persistente. Uma cultura corporativa doente retira autoestima às pessoas, aniquila a capacidade de iniciativa, destrói a criatividade e, com ela, a base da inovação. Assim se compromete a produtividade. A prazo, os resultados que geraram a ilusão de eterna prosperidade.
4- A história de empresas microgeridas não é um mundo à parte do país macroeconómico, que todos os dias noticiamos, que frequentemente criticamos. Há empresas grandes com microgestores e há pequenas empresas com extraordinárias práticas de gestão. Mas a regra é micro. Como o PIB e os indicadores económicos do país, maus demais por serem fracos e durarem há tanto tempo.
Num país que sempre viveu debaixo do Estado - na monarquia, na ditadura (com o condicionamento industrial e todas as outras restrições à liberdade) e na democracia (que primeiro nacionalizou e depois controlou através das privatizações viciadas ou da subsidiação maciça) -, os microgestores não se viam porque os políticos assumiam a responsabilidade.
A boa notícia é que isso acabou. O Estado não tem dinheiro nem empregos para distribuir. Não há espaço para choques fiscais. A competitividade nacional depende muito mais de um "choque de gestão" que falta acontecer nas empresas. Como aqui não se vota, espera-se que aconteça. Senão, abandonar uma empresa microgerida é sempre uma opção. Como emigrar tem sido um ato de coragem. Até pode ser fruto de desespero. Mas de certeza que nunca será de resignação.

Hoje, no DN

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