segunda-feira, junho 23, 2014
CR7
Aprendi a gostar do Cristiano Ronaldo quando ele aprendeu a falar português. Pode ser ridículo, mas é verdade. Incomoda-me que uma pessoa que ganha milhões não gaste uns tostões a aprender a falar correctamente. Ele ganhou-me aí, quando além de dominar a bola passou a dominar a língua. Às tantas, um dia destes ainda começo a achá-lo bonito. Com excepção dos abdominais, não cheguei ainda aí - haja Deus! Mas há coisas que sempre achei, mesmo quando não ia à bola com ele.
Sempre achei que a vaidade de Ronaldo, mesmo se desmedida, não é exagerada. O rapaz tinha tudo para ser um desgraçado e tornou-se num dos melhores jogadores do mundo. Não é coisa que se consiga com cunhas, com fretes, com agremiações políticas ou maçónicas, com mãos escondidas, com percursos mal amanhados (e há tanta nata neste país que não pode dizer o mesmo...). Só se consegue fazer o que ele faz com disciplina e trabalho, que nenhum dom sozinho alimenta uma carreira inteira.
Sempre achei que a arrogância de Ronaldo é mais saudável que a esquizofrenia dos que sempre têm alguma coisa a perorar sobre ele, não raras vezes uma coisa e o seu contrário, dependendo do vento. Se o rapaz pára para dar autógrafos é egocêntrico, se não pára é mal educado. An so on, and so on...A mesma severidade de juízo aplicada aos políticos, de quem a nossa vida infelizmente depende um bocado mais, e não havia um que se salvasse. E, já agora, também esses podiam aprender a falar melhor português.
Sempre achei que toda a extravagância consumista de Ronaldo, além de objectivamente não dizer respeito se não ao próprio, é nada quando alguém partilha com alguém o que tem. Não importa se muito, se pouco. Para partilhar não é preciso ganhar milhões. Há muita gente neste país, muito conhecida, a ganhar milhares e não consta que alguma vez tenha feito um décimo. Além de não ser propriamente a mesma inspiração.
Finalmente, sempre achei que ser um dos melhores jogadores do mundo não o obriga a ser infalível, muito menos a salvar o país do marasmo. Gosto da maneira como Cristiano Ronaldo joga, como dança, como marca, como celebra, até da maneira como amua quando falha. E tenho pena que corra o risco de passar pelo Mundial do Brasil sem marcar um único golo. Não sinto que me deva alguma coisa, não fico enraivecida, fico só triste por ele. Mas isto sou eu, que acho que o FCP é futebol e o Mundial entretenimento.
domingo, junho 22, 2014
domingo, junho 01, 2014
In my my dreams, we're still screaming
Foi o segredo mais bem guardado da nossa quase última década de tournées. Naquele 17 de Agosto de 2005, era o concerto que mais queríamos ver. Saímos a correr do trabalho, atrasados como sempre, Coura era o destino, o inspiradíssimo Funeral dos Arcade Fire a missão. Começámos a ouvi-los ainda dentro do carro - mau sinal, tinham começado a horas -, a chegar à vila, uma canção, a levantar os bilhetes, outra canção, a tentar encontrar lugar para estacionar, mais uma, a tropeçar encosta abaixo. Teremos finalmente chegado, sem certezas absolutas, naquele momento apoteótico de Rebellion (Lies). Mas na nossa memória afectiva guardámos sempre a ideia de que vimos "quatro canções, talvez cinco". Rebellion (Lies) foi a última canção daquele fim de tarde. Talvez uma canção possa valer um concerto inteiro, nunca nenhum de nós quis apurar a verdade. "Quatro canções, talvez cinco". Estava tudo bem, estávamos juntos, estivemos lá e foi lindo.
Os Arcade Fire voltaram em Julho de 2011, ao Meco, depois de a NATO ter cancelado o concerto marcado para Novembro de 2010, em Lisboa. Era meio estranho porque iam tocar a seguir aos Portishead. E a Beth Gibbons, que já não vinha a Portugal há não sei quantos anos, deu naquela noite um concerto maior que a vida. Não precisávamos de rigorosamente mais nada depois da homilia funda que nos deu, só de ficar ali a digerir aquilo devagarinho. Mas tínhamos ainda Arcade Fire, Neon Bible para recuperar e The Suburbs fresquinho. Era uma decisão difícil, mas quase nem tivemos tempo de escolher. Os canadianos entraram em palco com a força de um tsunami e atropelaram-nos naquilo que sempre pareceu uma contraditória ressurreição. Um concerto memorável naquela que foi talvez a melhor edição de sempre do Meco.
E depois, ontem, voltaram a voltar... ao Rock in Rio. Dez anos depois de ter ido pela primeira vez à quinta da bela vista, confirmei por que razão jurei na altura que nunca mais lá ia. É um festival esquizofrénico, de misturas altamente duvidosas, um gigantesco circo em que a música é apenas um adereço. É preciso ser muito, muito grande para conseguir fazer esquecer a circunstância. Os Arcade Fire, razão única da excepção, só podiam conseguir. Durante quase duas horas estivemos noutro sítio qualquer. "In my my dreams, we're still screaming". Grandioso concerto.
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