José Rentes de Carvalho fala aqui de "um povo açaimado", visto como "folclórico, estúpido, pobre por culpa da sua própria ignorância", de "uma nação de estufa, com gente de fora", de um protectorado que mais não é do que "um eufemismo diplomático para exploração", de uma Constituição que embora garanta direitos fundamentais desde 1933, "não passa de um papel".
Escreveu tudo isto em 1975, no rescaldo da ilusão de que "o Portugal revolucionário ia ser exemplo, um passo em frente para uma Europa nova, o país cuja sociedade garantiria a cada cidadão um lugar digno", o que mais do que só apenas admirável, é impressionante. Pela lucidez a quente, pela
congruência de não ter querido viver em Portugal, e agora também pelo que parece ser a repetição da História."Um livro é bom e vale a pena quando nos fala ao coração. Se vem com charanga, tambores e foguetório, deixá-lo passar", diz ele. Este livro fala muito mais do que só ao coração. Não sou a primeira a dizê-lo e não hei-de ser a última: devia ser de leitura obrigatória.
"Ao guarda-livros [Salazar] não se pode dar desculpa, mas tem tem de se lhe dar um crédito: o de exigir que as despesas não ultrapassassem as receitas, e a submissão absoluta de todos os ministérios ao das Finanças. Desse modo, pela terceira vez em setenta e cinco anos, o orçamento do Estado apareceu equilibrado. (...) Mas acrescente-se o que os panegiristas sempre passaram por alto e o que os bajuladores nunca quiseram ver: orçamentos equilibrados graças à miséria atroz para quase todos, privilégios desmesurados para um pequeno grupo. Tudo isso em nome de Cristo, da Família e da Ordem, e de uma bizarra concepção de sociedade, infelizmente partilhada por mais, e exposta pela última vez num discurso do ditador proferido em 1967: "Sempre houve pobres, sempre os há-de haver, é preciso que os haja"
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