sexta-feira, novembro 22, 2013

Pedro Santos Guerreiro: 50 maneiras de deixar o seu amor

Juergen Teller

Um jornal não se faz por quem o escreve, mas por quem o lê. Um jornal não é uma colagem de factos, mas um chaveiro para o entendimento. Um jornal tem poder - o poder que o leitor lhe endossa. Para que o jornalismo seja a celebração diária da liberdade. Para que o jornalismo garanta a liberdade do dia seguinte. Quase sete anos depois do primeiro, escrevo hoje o último editorial como director do Negócios. Nós passamos, o Jornal fica. É assim que está certo.

Imparcialidade não é neutralidade. Caos não é muito. Informação não é um vidro fosco entre realidade e verdade. Por isso, no canto desta página três, a direcção escreve todos os dias sobre o extraordinário mundo em que vivemos. Muitas vezes para simplificar o que é complexo. Muitas vezes para dar referências para que o leitor forme a sua própria opinião. Muitas vezes para enfrentar o poder, a situação, o que manda. Não é intrepidez, é função. Não é por exibicionismo, mas por serviço. Como disse Noam Chomsky, a questão não é dizer a verdade ao poder - o poder provavelmente já conhece a verdade e está sobretudo interessado em suprimir, limitar ou distorcer a verdade. Se te questionas se já foste longe demais, dizia Christopher Hitchens, é porque ainda não foste. Informe-se e que desabem os céus. 

Mas este canto de página é apenas um canto de página. Um jornal é a sua redacção e a redacção do Negócios é a mais excepcional equipa que já conheci. Pela dedicação. Paixão. Pela coragem. Discutimos milhões de vezes uns com os outros. Temos dúvidas sobre tudo o que nos rodeia. Nunca tivemos um conflito sobre o jornalismo que perseguimos e praticamos. Nunca tivemos dúvidas uns sobre os outros. E na lista infindável de agradecimentos que terei de fazer, aos editores e redactores, aos chefes e chefiados, expresso a gratidão à minha direcção, pela superação das mais indizíveis guerras e dificuldades. E em especial aos dois maravilhosos jornalistas que escreveram comigo este canto de página três, e que convidei para me porem sempre em causa e por serem melhores do que eu: a Helena Garrido, a quem entrego com orgulho e certeza a direcção do Negócios; e o João Cândido da Silva, homem da cepa dos que têm a generosidade persistente de fazer bem e de dizer não. 

Ensinaram-me que é mais importante sair bem do que entrar bem. Saio do Grupo Cofina com a mais franca confissão: fui feliz. Serei sempre testemunha abonatória de uma administração que pratica a independência editorial e respeita a liberdade dos jornalistas. Assim foi sempre no Negócios. Devo-o ao meu director-geral, Luís Santana, a alma da Cofina. Devo-o a Paulo Fernandes, que se firmou como industrial obcecado em criar valor, e que acreditou em mim, quando herdei a direcção do Sérgio Figueiredo. 

Estes anos não foram quaisquer. Foram anos de ruína na economia, de desgraça na política, de devastação na sociedade. Conto hoje o que me foi sempre mais difícil: assistir à inconsequência da denúncia antes do início da intervenção externa; e continuar a transmitir esperança depois dela. A destruição dos sonhos dos mais novos, a pobreza entre os mais velhos, os cortes, os impostos, os resultados falhados, as políticas sem comando, a austeridade desembestada, a regeneração fracassada, a sucessão arrogante e desatinada de medidas tortas e a direito, a preservação dos instalados, a supremacia dos mais fortes sobre os mais fracos foram – são – testes diários à capacidade de não desistir, de não perecer à derrota, de encontrar dentro de nós mesmos força e amor para continuar a lutar - contra eles se necessário; por nós, por sobrevivência . Para não perder a esperança. Para não espalhar miséria. Perdemos quando sucumbimos ao cinismo, doença que ensombra a luz e come os sonhos por dentro. Ganhamos quando vivemos cada dia ingénuos como se fosse o primeiro e desprendidos como se fosse o último.

O Negócios é um jornal com vida, com esta alegria, esta inconformação, esta liberdade de pensamento, esta esperança em Portugal, esta dedicação aos leitores. Eu serei doravante um deles. Um de vós. Um de nós. E é uma alegria. E é uma alegria!
Por tudo, por todas as vezes, obrigado. 

"Just slip out the back, Jack

Make a new plan, Stan

You don’t need to be coy, Roy

Just listen to me

Hop on the bus, Gus

You don’t need to discuss much

Just drop off the key, Lee

And get yourself free"

"50 ways to leave your lover",

Paul Simon 
Eu sei que já aqui o disse, mas vou voltar a dizer. Comecei a ler o Jornal de Negócios por causa dos editoriais do Pedro Santos Guerreiro. Depois, comecei a colecioná-los (não vá ele nunca querer publicá-los em livro). Entretanto, fiquei completamente rendida ao Fernando Sobral. E, de repente, estava viciada no jornal inteiro. Não conseguia esperar pela manhã, queria lê-lo à noite, acabado de fechar. Assinei-o. Nunca me tinha passado pela cabeça assinar um jornal de economia. Mas o Negócios é muito mais do que só um jornal de economia. E o tanto que aprendi e cresci a lê-lo é impagável.

Um dia, conheci o homem daqueles editoriais que me levavam às lágrimas, que me devolviam a esperança, que me faziam voltar a acreditar no jornalismo. Podia ser só um imbecil que escreve e pensa bem. Não é. É um tipo extraordinário, como sempre acreditei que os bons jornalistas devem ser. Quando há umas semanas devorei a Newsroom, foi logo no Pedro que pensei. É o maior elogio que poderia fazer-lhe. Há quem diga que é só uma série ingénua. Pois, será. Mas como ele escreve hoje: "Perdemos quando sucumbimos ao cinismo, doença que ensombra a luz e come os sonhos por dentro. Ganhamos quando vivemos cada dia ingénuos como se fosse o primeiro e desprendidos como se fosse o último."

Muito obrigada, Pedro.

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