por vezes a tua cara torna-se nítida e insuportável. Outras vezes, esbate-se e com o esbatimento vem-me a resignação de te ter perdido. Às vezes, esqueço-te. Ou ficas escondido numa casa, num quadro, numa árvore, de onde ressurgirás. Um dia olharei o quadro, a casa, a árvore, e lembrar-me-ei de ti. Mas cada vez haverá menos sítios onde te esconderes.
a tua face vem e atira-me sempre para o mesmo tempo, é uma face que o ódio esquece, anterior à deserção, a face de quem encontrou a primeira palavra, é essa que me olha nos sítios mais vulgares. Não te procuro: de repente, estás ali. Como uma arma. O límpido assassino.
(...)
vejo uma pessoa a fumar e o gesto de levar o cigarro à boca é o teu, é o teu corpo todo que esse gesto recria, vejo-te nos sítios mais improváveis como alguém que me foge, como uma impostura que desaparece quando me aproximo: outra cara contamina a tua cara numa metamorfose alucinante, de repente nada há de ti em quem me olha e pergunta: quer alguma coisa? não, não, digo com repugnância e com medo, quase estendo os braços para afastar aquele desconhecido, encobri-lo com as minhas mãos abertas, chorar porque não és tu, nunca és tu, sentar-me na cadeira e ouvir a mulher perguntar-me: que tens?
nada, não tenho nada.
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