segunda-feira, janeiro 23, 2012

Ana Sá Lopes: O boneco


Em Portugal, ninguém foi mais feliz a criar uma personagem política do que Aníbal Cavaco Silva. Mal surgiu, nos anos 80, o boneco foi ridicularizado por toda a intelligentsia nacional – afinal, dez anos após a revolução, a personagem decidia reciclar para o regime democrático o mais forte e durável mito político português, António Oliveira Salazar.
Como o outro, Cavaco Silva era austero, poupado, determinado, de origens muito humildes, autoritário, odiava a política e os políticos, muito conservador e católico e colocava-se acima da plebe. E a plebe adorou: Cavaco foi um sucesso em 1985, um muito maior sucesso em 1987, repetiu a inédita maioria absoluta em 1991, deu cabo do seu sucessor Fernando Nogueira em 1995, perdeu as presidenciais em 1996, mas ganhou- -as em 2006 por dez anos.
O que é verdadeiramente extraordinário é que o boneco tenha resistido sempre ao longo dos anos, sem mácula. Sucessivas investigações jornalísticas esforçaram-se para desmontar o mito, mas o boneco resistiu impávido, contra todas as evidências. Era falso que Cavaco Silva tivesse decidido candidatar-se em pleno congresso da Figueira da Foz – já andava a conspirar há muito com esse objectivo. Era falso que as suas origens fossem pobres – o pai tinha negócios rentáveis no Algarve. Era falso que tivesse apoiado o PSD nas eleições de 2005 – escreveu o artigo da “moeda má” contra Santana Lopes e recusou-se a participar na campanha eleitoral alegando incompatibilidade com actividades académicas. Era falso que não fosse um político profissional; era falso que não tivesse ligações ao Banco Português de Negócios – o arguido Dias Loureiro era amigo pessoal e alguém arranjou umas acções ao preço da chuva. Era falso que o governo passado estivesse a vigiar a Presidência da República (só se provou ser verdade que a Presidência da República tentou manipular jornais para criarem uma suspeita sobre o governo). Etc. etc.
Mas o boneco resistiu a tudo. O boneco era inatingível, uma espécie de sempre--em-pé, permanentemente com uma obsessão pelo dinheiro – até porque a propaganda sobre a falta dele e a urgência de poupar era indissociável da personagem. Não é a primeira vez que Cavaco Silva lamenta os azares da vida financeira. Na sequência da história do BPN, afirmou “estar a perder muito dinheiro” e anunciou ao mundo: “Boa parte das nossas poupanças andam desaparecidas”.
Na história da falta de dinheiro para as despesas e da reforma dos 1300 euros, o boneco com 30 anos de vida, inesperadamente, ganhou vida própria, arranjou uma arma mortífera e matou o cria.
Ana Sá Lopes, hoje, no i

2 comentários:

  1. Este artigo é bom demais para ficar sem comentários. Por isso, apesar do atraso
    com que o faço por só agora e por acaso
    ter aqui vindo parar, não hesito em deixar
    agora a minha homenagem. De resto, a actualidade é incontestável, infelizmente.

    ResponderEliminar
  2. O artigo acima é de uma qualidade que dificilmente o poderei comentar, senão dizer-lhe Parabéns, além da triste realidade que este país mergulhou e todos nos ofende e envergonha, mais que antes do 25 de Abril/74.
    Jamais imaginaríamos que iriam surgir após esta data tantos vigaros sem o minimo de pudor e sede de poder e ambições a saltar para empresas que serviram, em vez de servir a Pátria.
    Tomo a liberdade, sem filiação partidária, mas como amigo dos Animais, vir apelar a todos que se identifiquem pela causa dos Animais abandonados e mal tratados votarem no " PAN" - Partido dos Amigos dos Animais e da Natureza.
    Também devem Votar " P A N " todos os que preocupam com a Natureza ameaçada e destruída todos os Verões pelo fogos.
    Fui dos fundadoress do PPD/PSD , que hoje me envergonho ter pertencido.
    Assim, o dinheiro dos nossos votos vão para aquela associação partidária.


    ResponderEliminar