quinta-feira, fevereiro 25, 2010

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

A estrada larga da alma

"A Estrada Larga. A grande casa da alma é a estrada larga. Nem céu, nem paraíso. Nem "acima", nem mesmo "dentro". A alma não está acima nem dentro. É um viandante a caminhar pela estrada larga. Não pela meditação. Nem pelo jejum. Nem explorando céu após céu, interiormente, à maneira dos grandes místicos. Nem pela exaltação. Nem pelo êxtase. Não é por nenhum destes caminhos que a alma se preenche. Mas só fazendo-se à estrada larga. Não através da caridade. Nem do sacrifício. Nem mesmo do amor. Não através das boas obras. Não é assim que a alma se realiza. Mas só através da viagem pela estrada larga. Da viagem em si mesma, pela estrada larga. Exposta a todos os contactos. Em dois lentos pés. Cruzando-se com tudo o que venha pela estrada larga. Na companhia dos que vogam ao mesmo compasso pelo mesmo caminho. Para nenhum destino. Sempre a estrada larga. Não tendo sequer direcção conhecida. Permanecendo a alma apenas fiel no trajecto a si mesma. Cruzando-se na estrada com todos os outros viandantes.

(...) A alma não deve acumular defesas à sua volta. Não deve retirar-se para procurar o céu dentro de si, em êxtases místicos. Não deve clamar por um Deus transcendente, pedindo para ser salva. Deve fazer-se à estrada larga, à medida que a estrada se vai abrindo ao desconhecido, na companhia daqueles cuja alma os leva para junto dela, nada realizando além da viagem, e das obras inerentes à viagem, à longa viagem de uma vida inteira rumo ao desconhecido, através da qual se realiza a alma, nas suas subtis simpatias..."

D.H. Lawrence sobre Walt Whitman e a sua "mensagem essencial". Whitman, o "bom poeta encanecido", o poeta americano na Totalidade e do amor livre, o poeta do Eu, morreu há 118 anos. O dia 26 de Março é uma boa altura para reler a sua poesia.

A função essencial da arte

"A função essencial da arte é de natureza moral. Nem estética, nem decorativa, nem de passatempo e recreio. Mas moral. A função essencial da arte é de natureza moral. Mas uma moral apaixonada, implícita, não didáctica. Uma moral que modifique o sangue e não o espírito. Que modifique primeiro o sangue. O espírito virá depois, por arrastamento."
D. H. Lawrence

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Blackbird no TNSJ


Pillowman, tantas vezes aqui o escrevi, é uma das melhores peças de teatro que vimos em toda a nossa vida. O texto do irlandês Martin McDonagh - já pintado por Paula Rego - é absolutamente incrível, mas Tiago Guedes, o encenador, que se estreou ali, em 2006, tornou-o mais do que soberbo, inesquecível. Por isso, é com singularíssimo entusiasmo que aguardamos a passagem pelo Porto e pelo TNSJ de Blackbird. De 5 a 14 de Março.

Texto de apresentação:
É o regresso do realizador Tiago Guedes ao teatro, depois da sua fulgurante estreia como encenador, em 2006, com The Pillowman. Se o texto de Martin McDonagh tratava já temas difíceis (o infanticídio encimava o catálogo de malfeitorias), Blackbird explora uma outra matéria delicada – o abuso sexual de menores –, evocada já por um clássico da literatura como Lolita. Talvez a menção do romance de Nabokov não seja inteiramente despropositada: é que, nesta peça que o Festival de Edimburgo encomendou a David Harrower para ser estreada, em 2005, por Peter Stein, o dramaturgo escocês faz mais do que um tratado moral ou uma tese sociológica, desdobrando questões em vez de lições e doutos esclarecimentos. Uma jovem mulher reencontra o homem de meia-idade com quem – década e meia antes, quando apenas tinha 12 anos – mantivera uma relação apaixonada (leia-se, sexualmente explícita). Destas criaturas poder-se-á dizer que entram depressa numa noite escura, como que seguindo o apelo da canção, de uma traiçoeira candura, dos Beatles: “Blackbird fly into the light of the dark black night”.

Sinais de fogo

Miguel Sousa Tavares (MST) estreou-se ontem na Sic, com Sinais de Fogo. MST, que tem olhos de sharpei - por acaso, a minha raça canina de eleição -, apareceu de cabelo pintado e mãos nervosas. Muito nervosas. Não era necessário. No que ao país diz respeito, José Sócrates, ilustre primeiro convidado, limitou-se a editar o discurso que fez no Porto, no sábado, repetindo-o ad nauseam. Sobre escutas, figos e soldados de chumbo foi o descalabro. Um tango entre o "não comento crimes" e o "afinal comento a parte que me dá jeito". A do procurador, naturalmente. Muito gostava de saber a que se dedicam os assessores do primeiro-ministro!

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

FCP 5 - Braga 1


Tanto clube manhoso para ser goleado pelo Portinho, e logo o Porto havia de escolher o nosso saudoso Domingos Paciência, que tantas alegrias nos deu, para humilhar.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Sunlight on her eyes but moonshine beat her blind everytime



By Rasputine ;)

"Que lareiras na floresta"

“Por onde começar? Por onde começar radicalmente, se tudo já está começado, ainda que nada esteja acabado? (…) E ainda considerando isso inevitável, como decidir-se radicalmente entre os vários caminhos que depois se oferecem?” Alberto Pimenta
A livraria Gato Vadio, no Porto, apresenta no próximo dia 26 de Fevereiro, a nova editora 7 Nós. No mesmo dia, é lançada, com a presença do autor, a obra de Alberto Pimenta, "Que lareiras na floresta" (dispersos/antologia).

Depois de quatro décadas terem passado da estreia de Alberto Pimenta no mundo da literatura, impunha-se, defende Júlio do Carmo Gomes - que ajudou a seleccionar e a organizar os dispersos, e que é fundador da grande aventura que é o Gato -, esta reunião de vários dispersos do autor (inéditos e reedições de livros esgotadíssimos). Na sua maioria nunca publicados em livro, estes excertos de ensaios, performances, crónicas, entrevistas, guiões para televisão, traçam um itinerário sólido para quem quiser conhecer um dos mais importantes poetas e escritores de língua portuguesa. Ao longo do livro aparecem ainda alguns poemas que ancoram, contextualizam ou radicalizam ideias caras ao autor. Ou, simplesmente, tornam poéticas as visões e o labor criativo e criador do escritor.

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

La double vie de Véronique by Kieslowski



"As lágrimas das coisas"

terça-feira, fevereiro 16, 2010

O amor antes da maioridade X

Querida Wookie,

Sempre tive uma certa aversão pelos estatutos,
Por rótulos, títulos, etiquetas,
pelo conforto ilusório que concedem.
O pior é que quis ser teu namorado.
Aceitei-o como um acto de fé,
De amor.
Acabei cego, preso à fé,
E sem o teu amor.
Sacrifiquei-te, crucificando-nos.
Para te amar, aprendi,
não preciso de ser teu namorado.
c.a.

Estação


"Muitas vezes vim esperar-te e não houve chegada/
De outras, esperei-me eu e não apareci"
Mário Cesariny

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Se perguntarem...


O crime não compensa.

domingo, fevereiro 14, 2010

PSD muda, rompe ou une?

“Há quem queira mudar e há quem queira romper. Eu proponho-me unir”. A afirmação, em entrevista ao DN, é de José Pedro Aguiar-Branco, o quarto militante social-democrata a apresentar-se como candidato à presidência do PSD. E já se percebeu, a avaliar pelo número de vezes que a repetiu desde sexta-feira, que a vamos ouvir muitas vezes até 26 de Março, data das directas. Para o advogado do Porto, esta é a eleição do tudo ou nada: ou perde e abandona a liderança da bancada parlamentar, que ocupa desde Outubro passado, ou ganha e acumula funções”. Devido “ao momento crítico que o país atravessa”, explicou.

Aguiar-Branco e Paulo Rangel, ex-grandes amigos, anunciaram no mesmo dia, com o desconhecimento um do outro e com um intervalo de um par de horas, que serão adversários na corrida à liderança do partido. Aguiar quer unir, mas se puder sacudir Rangel (com a caução de Alexandre Relvas) tanto melhor. Ah, a união!

Recusando obviamente o convite, Rangel, que anda agora cheio de si, a brincar às poses-de-Estado, rompe, em primeiro lugar, com ele próprio. Afirmou ele, em entrevista a Judite de Sousa, em Setembro do ano passado: “Digo peremptoriamente que não estou nessa corrida. Fui eleito para o Parlamento Europeu há pouco mais de quatro meses. Não faria sentido que me candidatasse, deixando o PE. Os eleitores não compreenderiam isso, seria um mau sinal dado à democracia”. Ah, a palavra dada!

O outro, Pedro Passos Coelho, fabricadíssimo dos pés às pontas do cabelo, dos fatos à dicção, insiste na mudança, enquando segue, qual Obama tuga, em digressão pelo país com o seu manual, "Mudar".

O cheiro a poder é uma coisa extraordinária. Está para estes candidatos do PSD como o sangue para os vampiros. Infelizmente, nenhum deles fará deste país um lugar onde valha a pena viver.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

José Sócrates...

... podia ficar para a História, com absoluta justiça, como um dos melhores primeiros-ministros deste país. Sairá pela porta pequena, recordado como uma nódoa democrática. Nem a única maioria absoluta que o PS conseguiu graças a ele servirá de amortecedor. Começou a contagem decrescente para o salto mortal.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

O caixão político de Sócrates

"A tentativa inteiramente legítima de meter uma providência cautelar para evitar a saída do jornal é mais um prego no já encomendado caixão político de José Sócrates. O país inteiro está nervoso e é óbvio que José Sócrates caminha para o seu fim político. Nunca vi isto tão claro como agora. São demasiadas questões, foram demasiados casos, há demasiadas nebulosas em jogo. E há uma coisa extremamente grave - e que as escutas do Sol mostraram -, é que ele não sabe escolher os amigos. Sócrates não cai no terreno político pelos assaltos dos inimigos, ele jogou sempre bem para os seus inimigos políticos. Sócrates vai cair às mãos dos seus amigos políticos."
Miguel Sousa Tavares, na Sic

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

O seguro de vida de Sócrates

Numa semana em que parece que o país inteiro se uniu para tramar José Sócrates, o PS, nervosinho, disfarça as preocupações com o desgaste da imagem do primeiro-ministro e encena uma união que cheira a esturro por todos os lados.

O procurador-geral da República e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça insistem que não há, nas escutas entre Sócrates e Vara, indícios para abrir um processo crime. Em nome da estabilidade política, o presidente da República apela ao entendimento dos partidos para aprovarem o Orçamento do Estado - o documento será votado e aprovado amanhã, com a conivência do PSD e do CDS-PP -, o que significa que Cavaco Silva não quererá (ainda?) a queda do Governo. Além disso, a mais pequena fricção política nacional deixaria as agências de rating à beira do colapso nervoso. E o país num pântano.

Não deixa de ser irónico: o seguro de vida de José Sócrates é o periclitante estado financeiro do país, a necessidade de não alarmar os mercados internacionais. Se todos falarem baixinho e sorrirem de vez em quando, pode ser que ninguém dê conta.

sábado, fevereiro 06, 2010

O amor antes da maioridade IX

Querida Wookie,

Calaram-se os fados, os remotos poemas, as noites boémias,
Agora é o tempo em que as horas pararam,
Em que as pétalas, umas após outras, caíram.
Querida Wookie, minha querida,
Este é o lugar onde a loucura tomou conta de mim,
Onde os demónios me percorrem as veias,
Onde a chuva não pára.
Diz-me que o fim não terminou.

Saudades, oxalá não as tivesse.
A minha confiança repousa nos momentos que tivemos,
Momentos perdidos que a memória refresca,
Momentos em que os meus sonhos eram os teus.
Tu não sabes, esqueci-me de tudo,
Da Terra, do Sol, das estrelas.
Surgem só, incompletas, as reminisciências desse passado adorado,
Sou perseguido pela brisa do "passou", do "viveu", do "amou".
Do "morreu".

Diz-me que nada acabou, que tudo recomeça,
Diz-me que o presente não nega o futuro.

Deitar sonhos abaixo é o que mais me arrepia,
Ter-te feito isso, não entendo.
Fiz-te o que me fizeram, os motivos talvez tenham sido outros,
Se é que de alguma forma existem motivos para destruir sonhos.
Sei que nunca me vais perdoar
Porque destruí o teu sonho por dentro,
Uma implosão.
Odeio-me por isso, por não te merecer.
Odeio-te por isso, por não seres capaz de me perdoar.
c.a.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

O amor antes da maioridade VIII

Querida Wookie,

Ontem acordei e sonhei que tinha um poema à minha frente.
Quando abri os olhos para o transcrever, já não me lembrei dele.
Tinhas apenas os três primeiros versos. O resto desapareceu.
As palavras eram de certeza minhas, as imagens e o resto.

"Gostava de abrir a gaveta onde ficaste,
Reencontrar o murmúrio que no silêncio ainda sussurra.
Não quero saber se a conjugação falhou."
Fecho os olhos e vejo de novo a carta. Na memória.

Eu sei que voltarás, talvez a tua forma seja diferente,
Como um fantasma, um sonho ou um pesadelo,
Mas sei que voltarás para me convencer que não estás ausente,
Sempre presente. Presente.
A que me guia, a que me deixa para trás,
E depois me ressuscita.

Não queria talvez falar, porque para toda a gente é fácil viver.
Mas se alguém me ouve, me compreende,
Peço-lhe para apertar a minha boca,
Peço-te que o faças. Com um beijo. Só.

Depois, à saída, olho outra vez para ti.
Levas contigo qualquer coisa de mim.
Tremo de frio. De medo.

O que importa é que naquele dia em que parece que as pessoas têm de amar-se mais do que nos outros dias, tenhas recebido aquelas rosas que na linguagem das flores querem dizer: obrigada por viveres na minha vida.
c.a.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Mário Crespo: ele bem avisou que é o monstro da década...


É o nosso Larry King, o entrevistador implacável. Mário Crespo, jornalista há mais de 30 anos, “sem folclore”, dá respostas do mesmo calibre das suas perguntas. “Sou o monstro da década”, revela.

As suas entrevistas são um duelo de titãs ou sente que tem quase sempre a faca e o queijo na mão?
Entrevistas não são nem duelos nem espaços para fazer sanduíches de queijo. São períodos de colheita de informação sobre factos e entrevistados. Se eles se revelam, são bem conseguidas; se não, falham.
Como é que se sai de uma entrevista como a que fez ao Major Valentim Loureiro?
Sai-se bem disposto e divertido. Factos e entrevistados revelaram-se, portanto a entrevista foi conseguida.
Já voltou a falar com ele depois disso?
Não conheço pessoalmente Valentim Loureiro. Se nos cruzarmos, claro que lhe falarei o mais cordatamente possível.
"Não tenho medo de ninguém! Quantos são?" Pode aplicar-se a si a frase que é dele?
Claro que tenho medos, mas julgo que reajo bem ao medo. “Medo de existir”, no sentido em que José Gil o define, isso não tenho. Pelo contrário. Como William Henley [poeta bitânico] escreveu no seu poema Invictus, “Eu comando o meu destino, eu comando a minha alma.” Não sou nem mais nem menos do que aquilo que faço de mim.
Já alguma vez sentiu vontade de tomar um Xanax (ou um sucedâneo) antes ou depois de uma entrevista?
Nunca tomei drogas que alterem o comportamento. Só medicado e em caso de real necessidade medica no sentido fisiológico. Não sou atreito a depressões.
E vontade de dizer: "Espere por mim lá fora, que eu quero continuar esta conversa"?
Normalmente sou muito selectivo com quem tenho conversas lá fora. Leva muito tempo a conseguir intimidade real comigo.
Numa eventual compilação de gafes televisivas, caberia a sua pergunta a Pedro Silva Pereira: "O tio era ou não tio do Primeiro-ministro"?
A resposta é a mesma que dei ao ministro. “Não brinque comigo com palavras, que eu também não brinco.”
Porque é que, depois dessa entrevista, sentiu necessidade de escrever uma crónica, no JN, a explicar por que razão não é insultuoso interrogar um membro do Governo sobre a existência de eventuais trocas de favores por dinheiro?
Não senti necessidade. Achei que era importante denunciar a visível indisponibilidade do Governo para enfrentar o problema do Freeport sem sofismas e optar por evasivas semânticas, estilo “Oh tio, oh tio”, com manobras de Chicoespertismo.
Assistindo às suas entrevistas, fica a impressão de que faz as perguntas ora na condição de jornalista, ora na de cidadão. Onde fica a fronteira?
Não há fronteira. O jornalista é um cidadão.
Sente que está naquela fase da carreira em que tudo lhe é permitido perguntar?
Não. Nunca faria perguntas de carácter pessoal que fossem ofensivas. Nem em estrevistas, nem em privado.
O que responderia a quem o acusa de confundir acutilância com vedetismo?
Mandava-os falar com o Ministro Silva Pereira.
Sentiu mesmo medo de entrevistar António Lobo Antunes? Porquê?
Claro que sim. Porque é um homem que nos conhece como povo melhor que ninguém e porque gosto muito dele. Intimida sempre gostar muito de alguém.
Essa confissão, logo à cabeça, terá contribuído para a sua nomeação na categoria de Melhor Entrevista do Ano para a primeira edição da cerimónia Monstros do Ano, cujo prémio será entregue na próxima quarta-feira. Prefere esta gala "alternativa" ou preza mais os clássicos Globos de Ouro?
Nem sabia que era o Monstro do Ano. Se sou, porquê só do ano? Eu ando nisto há pelo menos três décadas. Ao menos, o Monstro da Década.
Alguém disse que é o jornalista que mais elogios ouviu em directo. Para quem subscreve a ideia de que a morte é o preço a pagar pelo prémio que é a vida, o que representa poder presenciar, em vida, estes testemunhos?
Presumo que quem disse isso não tenha sido o Ministro Silva Pereira nem Valentim Loureiro...
Mário Crespo, o entrevistador, gostava de ser entrevistado por quem?
Até aqui, por sorte minha, tenho sido entrevistado por muito boa gente.
Em que patamar estaria o país se, no horário em que está, em vez de competir com as novelas da TVI tivesse que o fazer verdadeiramente, por exemplo, com a RTP N?
Seria um país diferente e eu não lido com cenário hipotéticos. Vou competindo com aquilo que se me depara.
De onde lhe veio a ideia de narrar acontecimentos históricos no momento em que está a ser apresentada a meteorologia?
É uma invenção pura e simples.
Como é que um jornalista com a sua experiência olha para a empresarialização do jornalismo?
Só há jornalistas com jornais. Só há entrevistadores de TV com estações de TV. Não existimos sem os suportes que nos alimentam. Temos que cuidar de todos.
Ter estado no desemprego aos 50 anos fá-lo estar mais ou menos solidário com os recentes despedimentos colectivos na profissão?
Solidário estarei sempre. O único conselho para os desempregados é procurarem emprego rapidamente. Foi o que fiz. Pensem também que há vida para além do jornalismo.
Afirmou, recentemente, em entrevista ao Diário Económico, que não votou em José Sócrates em 2005, mas que tenciona fazê-lo este ano. Afirmou-o antes de o caso Freeport ter ressuscitado. As notícias abalaram a sua intenção de voto?
Abalaram muito. Se o Ministro Pedro Silva Pereira me tivesse respondido que não havia possibilidade de haver trocas de favores por dinheiro no seu Ministério sentir-me-ia, como cidadão, mais seguro. Mas ele não consegui responder isso. Confio, como cidadão, que surjam alternativas que me encorajem a votar com entusiasmo e esperança.
O jornalismo representa necessariamente a verdade dos factos?
O jornalismo, para mim, representa sempre e só a busca da verdade dos factos.
É possível, hoje, fazer jornalismo sem folclore?
Com toda a humildade, eu acho que faço jornalismo sem folclore.
Continuar a desejar voltar a América significa que Portugal não é a sua casa, no sentido daquela frase que diz "My home is where my heart is"?
A minha casa é em Portugal e não tem hipotecas nenhumas, nem materiais nem afectivas. A América é e será sempre uma espécie de amante para mim.
Foi o único correspondente português acreditado na Casa Branca. Apesar de já ter dito que não votaria Obama, preferia estar lá agora ou na altura [1991-1998]?
1991/1998 foi um período muito interessante. Houve as lutas por Timor Leste e os escândalos da Fundação Luso-Americana. Foi tudo jornalisticamente muito activo e aumentei o meu clube de fans significativamente…
Com o seu imaginário todo sintonizado na América, quais são os seus filmes favoritos para os Oscars?
Digamos que o filme que eu mais gostei de ver ultimamente foi o Nixon/Frost. Antes da entrevista recomendei-o ao Ministro Silva Pereira. Ignoro se ele segui o meu conselho. Acho que lhe fazia bem vê-lo.

Mário Crespo: o fim da linha

Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa. Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal.

Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade.

Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público. Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.

Nota: Artigo originalmente redigido para ser publicado hoje (1/2/2010) na imprensa.