domingo, janeiro 10, 2010

A menina

[Olivia Bee]


Naquele dia, ela viu-se, e com ela a mãe, ambas dentro de um ecrã de televisão ligada em horário nobre na província das telenovelas más. "Queres ficar aqui com o teu pai ou ir embora com a mãe?" Silêncio de cristal no corpo da menina, ruído ensurdecedor dentro da sua minúscula cabeça. O que é que se responde quando a vida imita uma coisa que ensinaram a acreditar que é só a fazer de conta? Como é que aos seis anos se sabe destrinçar a verdade da mentira? Alguém mente, mas quem? A televisão ou a vida? "Hã?! Diz lá, tens de escolher". A voz da mãe, impaciente, as mãos nas malas, o sol a pôr-se ao fundo das escadas. As duas ali à porta de casa como quem prepara um assalto. E a menina a pensar que daria tudo para não estar naquela posição. "Quero que fiques aqui, que fiques com o pai", diz a engolir as palavras, a certeza da resposta errada. "Hã?! Não ouvi nada. Fala alto, fala direito, já não és uma menina". Já não sou uma menina, pensou a menina. Tenho seis anos, sou o quê, então?

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