quanto ao projecto artístico'
Fausto Neves é o primeiro elemento da Casa da Música a quebrar o silêncio da instituição. O responsável pela programação da Casa da Música não acumula o Serviço Educativo (SE) com a direcção artística. A garantia foi dada a Fausto Neves por Agostinho Branquinho, do Conselho de Administração, que tem agora sob a sua alçada o SE. O pianista e professor, que ontem deixou para trás um trajecto de cinco anos à frente do mais visível departamento da instituição, denuncia o "ajuste de contas" que levou à saída de Pedro Burmester e acusa o CA de ser "ignorante" quanto ao projecto artístico.
(Entrevista de Helena Teixeira da Silva publicada no Jornal de Notícias a 2 de Abril de 2004)
Demitiu-se, apenas, por solidariedade com Pedro Burmester?
Fi-lo pelo projecto em si, que não consigo dissociar do Pedro. A saída dele, além de imprevisível, deve-se a um mau gosto e metodologia que roça a boçalidade. Nunca deveria ter sido tratado como foi, quanto mais não seja pelo trabalho que fez - que eu espero que não se perca -, e que condicionou a própria arquitectura. Convém não esquecer que o edifício foi feito para um projecto claro, que duvido que tenha continuidade. Há sinais claros de uma mudança radical.
Fi-lo pelo projecto em si, que não consigo dissociar do Pedro. A saída dele, além de imprevisível, deve-se a um mau gosto e metodologia que roça a boçalidade. Nunca deveria ter sido tratado como foi, quanto mais não seja pelo trabalho que fez - que eu espero que não se perca -, e que condicionou a própria arquitectura. Convém não esquecer que o edifício foi feito para um projecto claro, que duvido que tenha continuidade. Há sinais claros de uma mudança radical.
O projecto tem cinco anos. É a pela primeira vez que o sente?
Sim. Nunca se discutiram horários, fins-de-semana, noites ou a obrigatoriedade de fazer tarefas que não eram da nossa competência, mas que se fizeram em prol de um projecto que nos entusiasmou.Mudar esse incentivo por exigência de uma empresa 'out-sourcing' que controla o que fazemos não faz sentido.
Alves Monteiro admitiu que não o teria dispensado, mas que passaria a exigir-lhe uma colaboração que não se compadece com 'part-time'...
É de mau gosto falar em 'part-time'. Nunca me criticaram em qualidade nem em quantidade, e eu nunca exigi da CM horas extraordinárias.Fizemos trabalhos de produção quase impossíveis, devido ao voluntariado.Fico embaraçado por ter que citar este tipo de argumento. Este ano, com autorização do CA, dou 12 horas de aulas semanais, em Aveiro, mas nenhuma actividade saiu prejudicada.
Conheceu três administrações, quatro ministros da Cultura e três presidentes de Câmara. Em algum outro momento teve vontade de sair?
Houve momentos mais ingratos, que resolvemos com conversas em que se ouviam todas as partes. Com este CA isso não aconteceu.Desmembraram o SE da programação, que ficou debaixo da alçada de Agostinho Branquinho, enquanto a programação continuou com Alves Monteiro. Isto colocava-nos problemas técnicos complicados, porque o SE está ligado à programação com uma interactividade relacional. Depois, para minha surpresa, foi nomeado Wi-thworth-Jones, numa altura em que havia a insustentável indefinição da posição de Pedro Burmester, que já estava prometida para o ano anterior.Quando percebi que o Pedro soube da nomeação por carta, ao mesmo tempo que os jornais, achei que já chegava.
O projecto pode ser desvirtuado ou a nova equipa vai colher frutos do trabalho da anterior?
Nem uma coisa nem outra. Esta administração não está de pedra e cal na CM. Tinha um objectivo claro e está a prossegui-lo.Desvirtuar completamente o projecto é impossível, porque já tem pilares muito sólidos. Esta administração é bastante ignorante quanto ao projecto artístico que está subjacente à CM. Todas as administrações tiveram pessoas ligadas à arte. Esta é a única que não tem e subalternizou de maneira muito perigosa quem tinha.O conhecimento do terreno do Pedro - conhece o que de muito bom e muito mau se faz lá fora e cá dentro, o que é raro - era fundamental para fazer algo original e nosso. Não vai ser fácil para uma pessoa de fora fazer isso.
Estamos perante a eterna discussão do artista não saber ser gestor e vice-versa?
Não tenho uma visão tão radical. Os artistas devem saber ser gestores. Tem que haver um respeito muito grande entre a parte administrativa e política e a parte técnica. Esse cuidado foi enorme até chegar esta administração. Apesar das parangonas públicas, este CA tinha uma ideia preconcebida, que se manifesta numa permanente desconfiança em tudo o que se fez para trás.
Conheceu Withworth-Jones?
Fui formalmente apresentado. Tivemos uma conversa curta, mas muito agradável. Fez-me alguns cumprimentos em relação a um relatório que lhe apresentei de toda a actividade.
Acredita que ele pode fazer um bom trabalho acumulando a direcção artística e o SE?
A acumulação foi-me desmentida por um elemento do CA. Ele pode fazer bom trabalho como programador. Não poderá é dar sequência a um projecto, que se queria de terreno, por razões óbvias - não conhece o meio.
Teme a mudança que Alves Monteiro disse querer imprimir ao SE?
Suspeito que não é isso que quer fazer. Sempre disse que o SE é a pedra de toque da CM - ou, como ele gosta de dizer, um 'line enterprise'... Com a abertura da Casa, há vertentes do SE que poderão ser melhoradas. Se realmente é verdade a mudança completa, insurjo-me.
Acha que a CM está ser politizada ou alvo de uma perseguição?
As duas, provavelmente. São públicas as declarações do Pedro, e as inimizades que isso criou. São públicos os ajustes de contas.
A substituição de Rui Amaral por Alves Monteiro foi uma lufada de ar fresco ou houve logo algum sinal negativo?
Achámos que seria uma boa solução para resolver problemas que se arrastavam de forma penosa. Mas as expectativas não se confirmaram.Este CA só fala da empresa e deixou de falar do projecto artístico.Alves Monteiro não tem consciência do que é este projecto, e tem dificuldade em ouvir quem a tem.
Defende esta estratégia generalizada de silêncio?
É insustentável, sobretudo pelo investimento público que representa.É caricato que o vereador da cultura do Porto seja sempre apanhado de surpresa pelos acontecimentos. No caso de Pedro Roseta ainda é pior, quer pela responsabilidade que deveria ter quer por ser o principal accionista da CM. É ainda mais estranho porque apoiou o Pedro na crise de 2003. O silêncio de Pedro Roseta é estranho depois de ter defendido Pedro Burmester
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