Se calhar, enganámo-nos apenas na forma nominal. Concebemos a Realidade a partir de um discurso demasiado infinitivo e, de alguma forma, isso toldou a nossa visão. Abraçámos essa cegueira tateando assustados como se nos tivessem roubado o tempo e o modo.
Reféns e assustados, absortos e paralisados, pendulares na inércia do dia-a-dia.
Parece que nos tiraram a vida quando sentimos que nos tiraram o Futuro dos tempos verbais e a voz ativa dos diálogos no café.
Esta Crise de que se fala fez adoecer o nosso discurso e com ele a nossa realidade.
Dissecámos os vários pretéritos para tentar entender o Presente. Ganhámos medo a sequer pensar no Futuro.
A salvação poderá estar num sensato Gerúndio e na transitoriedade para que a sua forma nos leva.
O Gerúndio é sábio no modo como nos indica continuidade entre o que faz parte do Passado e o que está sendo no Presente. O Gerúndio é um sábio moderno na flexibilidade que introduz ao discurso.
Possivelmente, já nada mais será como prevíamos e isso não é o fim dos tempos mas a sua evolução. O Gerúndio poderá ser a mais parcimoniosa forma de nos pensarmos e de organizarmos discursivamente a nossa vida.
Teremos de nos adaptar às complexidades narrativas que os desafios do Futuro nos trouxerem. A forma como contarmos a nossa história dirá muito de nós, do nosso legado e daquilo que fomos capazes de projetar para o nosso Futuro comum.
O Tempo tem testado a nossa flexibilidade e a nossa capacidade para nos adaptarmos à falta de controlo sobre o Amanhã.
Olhemos os surfistas no meio do mar. [Podemos aprender tanto com eles]
Um surfista e uma prancha são menores no meio de um mar ondulado e, razoavelmente, indomável. A vida dum surfista deitado numa prancha é tentar antecipar onde nascerá uma onda que possa cavalgar para um brilharete dedicado às babes no areal. A vida de um surfista é tentar apanhar a melhor onda, da melhor maneira, tentando tirar o melhor dessa oportunidade sabendo que, logo de seguida, cairá da prancha e a sua odisseia recomeçará sucessivamente.
Não há a paralisação de um fracasso na queda que vem depois de estar na crista de uma onda. Há apenas a onda seguinte que ou surfamos ou nos leva num atropelo.
A mais íntima diferença social dos nossos tempos tem que ver, na minha opinião, com a capacidade para lidar com este pânico induzido pela aridez de conjugar o nosso Futuro. Não temos todos as mesmas ferramentas nem os mesmos recursos e perante os mesmos sinais tenderemos a fazer variar a nossa resposta.
A Crise não nos levou. É verdade que tínhamos expectativas mas mudaram-se os planos e o tempo não está para birras. É hora de voltarmos à prancha, de apanhar a próxima onda. E não vale tudo porque os tempos estão duros. O salve-se quem puder foi que nos trouxe até aqui e este modelo faliu!
Desta vez, para variar, vale a pena pensarmos na arquitetura de uma sociedade nova alimentados por essa rebeldia de pensar e ter uma opinião alicerçada em princípios e valores. Falaremos em gerúndios com os olhos postos nessa próxima onda, seja como for, mas será!
De que vale o medo do Futuro? Que orgulho nos trará vingar sem trazer connosco o sucesso de uma comunidade?
Sou pelo desafio intrépido ao Futuro. Sou pelos surfistas que se atiram às ondas. Sou pela autoria da minha própria vida.
Teremos diferenças nos recursos e ferramentas de que dispomos para lidar com a adversidade e com tudo o que o Futuro nos trará, mas podemos começar por mudar a construção das nossas falas. Moldar-nos ao gerúndio, que discretamente, nos vai inclinando para a continuidade, para o Amanhã.
Não subestimemos o poder da Palavra enquanto construtor da realidade nem o nosso engenho para inventar o Futuro. Quando em meninos víamos a série de desenhos animados “The Jetsons” podíamos assumir que o Futuro da Humanidade já estaria alinhado e que, a esta hora, viveríamos em cidades suspensas, com carros voadores e sem necessidade de trabalhar porque sofisticados robots produziriam riqueza para nós. Em vez disso, o que 2012 nos trouxe foi o Gangnam Style!…
O Futuro não existe, vai existindo [aqui está o gerúndio]. Aquilo que me parece central é que não deixemos de nos reconhecer como autores da nossa própria história pessoal e colectiva nem que, temporariamente, tenhamos mais dificuldade em ver o Futuro.
Havemos sempre de ter o oráculo do olhar dos nossos filhos e a Utopia no horizonte, e como diria Eduardo Galeano, a Utopia serve para isso mesmo, para nos fazer caminhar.
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