quarta-feira, outubro 02, 2013

Julian Barnes: O sentido do fim


"O tempo primeiro fixa-nos e depois confunde-nos. Pensámos que estávamos a ser adultos quando estávamos só a ser prudentes. Imaginávamos que estávamos a ser responsáveis, mas estávamos só a ser cobardes. Aquilo a que chamávamos realismo acabava por ser uma maneira de evitar as coisas e não de as enfrentar. Tempo... dêem-nos tempo suficiente e as nossas decisões mais fundamentadas parecerão instáveis e as nossas certezas bizarras.

(...) Quantas vezes contamos a história da nossa vida? Quantas vezes adaptamos, embelezamos, fazemos cortes matreiros? E, quanto mais a vida avança, menos são os que à nossa volta desafiam o nosso relato, para nos lembrar que a nossa vida não é a nossa vida, é só a história que contámos sobre a nossa vida. Que contámos aos outros mas - principalmente - a nós próprios.

(...) "A questão da acumulação. Apostamos dinheiro num cavalo, ele ganha, e o que ganhámos segue para o próximo cavalo da próxima corrida, e assim por diante. Os nossos ganhos acumulam-se. E acumulam-se as perdas? No hipódromo não - lá só perdemos a aposta inicial. Mas na vida? Talvez aqui se apliquem regras diferentes. Apostamos numa relação, ela falha; avançamos para a próxima relação, falha também: e talvez o que perdemos não sejam duas somas negativas, mas o múltiplo daquilo que apostámos. É isso que sentimos, de qualquer modo. A vida não é só adição e subtracção. Também há acumulação, multiplicação da perda, do fracasso.

(...) quando temos vinte e tal anos, mesmo que estejamos confusos e inseguros quanto às nossas intenções e objectivos, temos um forte sentido do que é a vida, e do que nós somos na vida e poderemos vir a ser. Mais tarde... mais tarde há mais incerteza, mais sobreposição, mais arrependimento, mais falsas memórias. Lá atrás, lembramos a nossa curta vida na sua inteireza. Mas tarde, a memória torna-se uma coisa de farrapos e remendos. É um pouco como a caixa negra que os aviões transportam para registar o que acontece num desastre. Se nada corre mal, a gravação apaga-se sozinha. Assim, se nos despenhamos, é óbvia a razão por que o fizemos; se não, é muito menos claro o diário do trajecto.

(...) existe o tempo objectivo, mas também o tempo subjectivo, aquele que se traz no interior do pulso, junto ao lugar da pulsação. E este tempo pessoal, que é o tempo verdadeiro, é medido na nossa relação com a memória. (...) Aproximamo-nos do fim da vida - não, não da vida em si, mas de uma outra coisa: o fim de qualquer probabilidade de mudança nessa vida."

Sem comentários:

Enviar um comentário