terça-feira, julho 21, 2009

Tutear

Tutear é verbo de Verão. Sabe a amor de Verão. Parece uma mistura de "tu" + "tocar". Tocar em ti. Tocar devagar. Serpentear. Com pudor. Sabe a grilos no campo, a silêncio de espanto, a noite estrelada, ao peito de quem se ama, a sonho sem sono, a desejo e a beijo. A beijo de manga a escorrer pelo queixo. A beijo vermelho, escaldado na areia. A morangos molhados em chocolate, a champagne gelado. Tutear é um cavalo a começar a correr dentro do peito, é o sangue a latejar, uma fagulha a incendiar a pradaria, é um foco de luz. Tutear é um pirilampo. É tempestade tropical que chega de mansinho pela manhã, chuva quente que arranca a roupa durante a tarde, dança nua, molhada, apertada ao crepúsculo. É verbo a correr para debaixo da primeira palmeira, verbo a arder, para fazer amor como se fosse a primeira vez, a última vez. Tutear é pulsão, vou dizer, olha para o lado, tapa os ouvidos, sexual, febril, nervosa. É os corpos nús, corpos suados, e os beijos na boca, nos olhos, nos lóbulos, nos pulsos, nos joelhos, nos pés, no umbigo, beijos nesse momento sem nome, nesse momento em por um momento se entra na terra de mel para planar, para flutuar, para depois descer lentamente à terra outra vez, corpos lado-a-lado, respiração concertada, leves carícias na pele, enquanto o coração volta ao seu ritmo normal. Tutear é adormecer transpirado num lençol de prazer. E ronronar como o gato, a adorar festas, a arquear o dorso, os olhos semicerrados, o consolo ao sol da meia-noite, o ar de que a vida toda está em paz e o mundo é o melhor sítio para se viver. É acordar durante a noite numa noite de estrelas cadentes, a rir, quase a dançar, a trocar os pés, sorriso tonto na cara, a pedir desejos, a acreditar neles. A acreditar que é para sempre o que está quase a acabar. A tentar manter aceso o que há-de apagar-se não tarda nada. Quem quer saber? Uma pequena cicatriz, uma tatuagem. Mas já não sai. Ficará eternamente. Promessas. Ícaro e asas de cera. Ariadne no labirinto do Minotauro. Tutear é euforia de miúdos sem idade. Sair para a rua aos pulos como se estivesse a chover, chuvas diluvianas mas quentes que só existem nos países tropicais. E sentir o cheiro da terra molhada. Loucamente feliz, parvamente feliz. Tutear é ir e voltar da Terra do Nunca sem sair do lugar. É não querer o Outono a chegar, o cheiro das castanhas assadas nas esquinas embrulhadas em jornal. É guardar alguém num bilhete como um tesouro. Fingir que são de açucar as lágrimas que serão de sal. E depois escrever uma carta, talvez duas, com envelope e selo e tudo. E cair numa tristeza resignada à medida que passam os dias que se jurou que nunca iriam passar.

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