Pela primeira vez, desde a segunda guerra mundial, Portugal regista este ano um excedente comercial. Um número que retrata a enorme capacidade de adaptação dos portugueses que, em menos de dois anos, passaram de esbanjadores consumidores para aforradores exportadores. Revelador de um Estado que estaria em muito melhor estado se outras e melhores fossem as lideranças.
O debate sobre o estado da Nação, que hoje marca o fim da sessão legislativa, deveria revelar este país. Um país feito de pessoas que se assustaram em Outubro do ano passado, perceberam que o paraíso prometido pelo euro era uma ilusão e puseram mãos à obra. Uns partem para trabalhar lá fora, outros vão lá para fora conquistar clientes.
Os mesmos portugueses que se endividaram, reagindo assim aos incentivos que as políticas públicas lhes foram dando desde finais dos anos 80 do século XX, responderam agora com extraordinária rapidez e flexibilidade aos problemas que se colocaram com o colapso financeiro do país.
Já tinha acontecido noutras ocasiões. Após a revolução de 1974, em pleno choque petrolífero, o país foi capaz de integrar quase um milhão de pessoas vindas das ex-colónias sem conflitos que merecessem essa designação. Nos anos 80, quando pela segunda vez o FMI esteve em Portugal, as medidas adoptadas para corrigir os desequilíbrios financeiros tiveram um resultado imediato e surpreendente.
O actual processo de correcção dos desequilíbrios financeiros promete ser mais um caso de sucesso da história económica portuguesa se tudo correr bem na frente europeia. Tal como no passado, os portugueses anónimos, aqueles que não vivem à custa do dinheiro dos contribuintes, fazem o que é preciso fazer, fazem aquilo que as políticas económicas sinalizam que é necessário fazer.
Estes mesmos portugueses, a maioria despreza naturalmente e cada vez mais a classe política, para desgraça do nosso futuro democrático, mas sem que se possa dizer que alguns políticos não o mereçam.
A capacidade que os portugueses revelaram em mudar, para se adaptarem às novas circunstâncias, contrasta com a incapacidade que o sistema político-partidário revela em mudar. Olhamos para este ano de novo governo e mesmo perante a difícil situação financeira em que o país se encontra o que vemos é mais do mesmo.
Outros "boys" vieram, para os "jobs" que o aparelho do Estado ainda tem para distribuir. A crise não acabou com a guerra das nomeações nos partidos do Governo nem com os negócios feitos à medida de empresas e sociedades que pertencem a quem é do partido. E lá está no Governo também um "super boy" desta vez chamado Miguel Relvas a quem tudo tem sido permitido, desde ameaçar jornalistas a manchar a imagem da comunicação social, de empresas, de universidades e, claro, do próprio Governo.
Há quem diga que Portugal tem os governantes que merece. Não é assim. Há governantes que são mais parecidos com o que de melhor tem o povo português, neste governo como noutros.
Esta crise, como outras, mostrou ser capaz de mudar a vida de muitos portugueses. Só não parece ter sido capaz de mudar o comportamento dos partidos nem a atitude de alguns políticos que vêem na política uma via para se promoverem e não para servirem o Estado. Nestes tempos frágeis, o que já se deseja apenas é que o mau estado da Nação não expulse o bom estado da Nação.
(Declaração de interesses: No quadro da referência que no texto se faz às universidades e embora o tema não seja esse, em nome da transparência, o leitor deve saber que a autora é também professora de jornalismo na Universidade Lusófona há mais de uma década.)
[Hoje, no Jornal de Negócios]
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