quinta-feira, março 04, 2010

Bullying em Mirandela

Ontem, Christian não foi à escola. No dia anterior, almoçou à pressa na cantina, saiu aflito para o recreio quando viu, mais uma vez, o corpo franzino de Leandro, primo e amigo de 12 anos, ser espancado por dois colegas mais velhos. Depois, perseguiu o rapaz que, cansado da tortura de quase todos os dias, ameaçou lançar-se da ponte, ali a dois passos. Perseguiu-o, impediu-o. Por fim, imitou-lhe os passos, degrau a degrau, até à margem do rio Tua. O primeiro estava decidido a morrer: despiu-se, atirou-se. O segundo estava decidido a salvá-lo: despiu-se, atirou-se.

Leandro morreu – é a primeira vítima mortal de bullying conhecida em Portugal; Christian agarrou-se a uma pedra para sobreviver. Antes, arriscou a vida a dobrar: digestão em curso em água gelada. Eram 13.40 horas. Ontem, não foi à escola. Os pesadelos atrasaram-lhe o sono. Acordou cansado, alheado, emudecido. Leandro não é caso único. Ele também já foi agredido.

Christian não é o super-homem; não é sequer rapaz encorpado; é um menino assustado, tem 11 anos, não terá 40 quilos, o rosto salpicado de sardas e tristeza. Os olhos dos pais pregados nele, os dele cravados no chão da sala. Não estava sozinho na luta. “Estava eu, o Márcio (irmão gémeo de Leandro), o Ricardo...”, este e aquele, os nomes dos amigos como um ditado, ele encolhido, no colo um cão minúsculo a quem insistentemente afaga o pêlo. “Não conseguimos salvá-lo, já estávamos tão cansados”.

O lamento sabe a resignação e à inquietação de quem veio de outra escola, em Andorra, Espanha, onde “há mais pequena coisa, os professores chamavam os pais”, recordam, “preocupados”, Júlio e Júlia Panda, pais de Christian, filhos da terra, Mirandela, no cume de Trás-os-Montes, retornados há pouco mais de um ano, trazidos com a crise e o desemprego. Vivem agora na aldeia de Cedainhos, a 15 quilómetros da cidade, lugar estacionado no tempo, onde vivia também Leandro e onde todas as casas, com laços mais ou menos próximos, são casas da mesma família.


Um palmo acima, na mesma rua, vive a avó, Zélia Morais. Tem a cozinha cheia netos, mais de dez, netos de todas as idades, os gritos inocentes dos mais novos a misturarem-se na dor dos outros. Sabe tudo ao mesmo fado. É a imagem da desolação, ela prostrada no sofá, o coração com febre. “O meu menino era tão humilde. Todos os dias vinha saber de mim. Todos os dias”, palavras repetidas, embrulhadas em falta de ar. “E agora?”

Agora, responde o filho Augusto, homem de meia idade, que a coluna prendeu a uma cadeira de rodas, “agora, nem que tenha de vender tudo, vou até ao fim do mundo para saber quem levou o meu sobrinho a matar-se”. A ameaça parece dura, dura um segundo, ele desfaz-se em pranto. “O meu menino sentava-se aqui comigo, conversava como adulto, era a minha companhia”. Os pais de Leandro também vivem ali; não estão. “Estão em casa amiga, passaram a noite no hospital”.


Ontem, Christian não foi à escola. Mas na escola dele – EB 2/3 Luciano Cordeiro, onde partilhava o 6º ano com Leandro –, o dia foi normal. Nem portas fechadas nem luto nem explicação. O porteiro do turno da tarde entrou às 15h, bem disposto. “Sou jornalista, queria uma entrevista”, ironizou. Tiro no pé. O JN estava lá. Perdeu o humor, convidou-nos a sair “já”. A docente que saía do recinto também foi avisada da presença da imprensa, inverteu a marcha, já não saiu. Havia motivos para baterem tantas vezes no Leandro? Responde Christian: “Todos batem em todos”.

8 comentários:

  1. sim grande texto , mas é tudo verdade o que está escrito???
    se for muita irresponsabilidade vai ai no meio

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  2. Srs Directores da Escola, Srs Professores, Srs Funcionários, Srs do hospital que assistiram o Leandro, Srs da Associação de pais, Srs do ME e em geral a todos os que podiam ter ajudado, directa ou indirectamente, uma vitima inocente:

    Se eu não tivesse feito tudo o que estava ao meu alcance para ajudar o pequeno Leandro. Se eu, por ter erguido uma barreira, tivesse impossibilitado um pedido de ajuda. Se me chegasse um relatório a dizer que na Escola não existiam casos de bullying, e eu não tivesse entrado em alerta, porque sei que em todo o lado há casos de bullying. Se um aluno meu tivesse sido hospitalizado por agressão, a mãe tivesse já vindo à Escola implorar ajuda, e enquanto se procura o corpito do filho eu viesse dizer aos jornais que na minha escola não há registos de casos;

    Então meus senhores eu não conseguiria viver, com a imagem da criança a fugir dos agressores, vendo durante anos, toda a gente a virar a cara ao lado sonhando com uma reforma dourada. De noite eu iria acordar com o pesadelo da minha culpa por omissão, no homicídio por negligência grosseira, vejo-o a despir-se, a gritar que não aguenta mais, a saltar, entrar na água gelada e sobretudo a despedir-se de todos nós enviando uma última mensagem, que cobardemente? eu fingi durante anos não perceber, e mesmo hoje mais não faço do que sacudir a água do capote.

    Então meus senhores, não aguentando o peso da culpa eu me afogaria nas águas do Tua, procurando o perdão do pequeno Leandro e do seu irmão gémeo que a tudo assistiu impotente.

    Que Deus vos perdoe que eu não posso.

    Nota para o Leandro:

    Apesar de nunca te ter conhecido, sinto que também eu, enquanto cidadão deste País atrasado*, sou em parte culpado. Repousa em paz.

    Carlos.




    * veja aqui, com a devida vénia, a razão do nosso atraso colectivo

    http://jumento.blogspot.com/2010/03/promiscuidade.html#links

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  3. eu nem sei o que dizer.... mas estou muito solidaria com a familia de leandro... anda os pais a lutarem para darem as coisas boas aos filhos ....; pergunto sera que vale a pena... acho que neste mundo ja nao sabemos se vale ou nao... pois pomos nossos filhos numa escola que pensamos que é boa, segura, e para ensinar, mas nao ja nao podemos estar assim confiantes porque nem os responsaveis na escola sabem tomar conta e se alguma coisa aconteçe sao logo os primeiros a desmentirem de que se passou alguma coisa la dentro.... eu ja andei na escola..... e nao sai de la a muitos anos e via muita coisa eu nunca passei o que o lendro passou mas ja vi muitas crianças a sofrerem do mesmo mas aproximava-me delas e ajudava-as.... mas a escola aonde eu andava tambem era rigida qualquer confusao que ouvesse eram castigados e os pais chamados a escola ficavam meses ou algumas semanas em casa com muitos trabalhos para apresentarem e no fim do ano...alguns nao transitavam por falta de estudos antes queriam andar a pancada e faltarem a escola... entao o conselho directivo tomou uma decisao que veio a mudar muito a escola, todos os dias tinha-mos a policia a porta da escola e logo que ouvesse confusao eles entravam na escola e levavam aquele ou aqueles alunos e chamavam os pais.... porque algumas agresoes tambem eram feitas fora da escola... e digo que melhorou muito..... acho que as escolas haviam de ter medidas para esses alunos que gostam de armar confusao.... e acabarem com isto... e as pessoas que trabalham na escola e ocultam isto haviam de ter vergonha porque se fossem filhos deles tomavam logo alguma decisao, mas como nao é eles nao se interessao. é uma vergonha um pais como portugal acontecer coisas destas... sou portuguesa e cada dia que passa estou a perder o orgulho que tenho do meu pais .... so desejo uma coisa que se encontre o corpo do leandro para os pais ao menos fazerem um feneral digno como o menino merece.... uma flor pelo leandro...

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  4. Há muitos Leandros neste mundo.Só desejo que não se tornem notícia de jornal pela mesma razão que o Leandro nunca viu o seu nome ser famoso. Como ele, tantos outros e outras sofrem, vitimas da cobardia e da crueldade dos pares , cuja formação não é, de todo a mais cívica. Sou professora numa E.B 2,3 e sei do que estou a falar. Uma palavra de apreço para os amigos do Leandro. Para a família, não há nada que se possa dizer que atenue a dor que estarão a sentir. Também sou mãe e quase que posso avaliar.

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  5. Também eu ouvi os elogios do Carlos Magno na Antena 1 sobre o seu artigo. Também eu acho que merece um prémio de jornalismo. Antes já eu a tinha lido na edição em papel do JN e vim aqui de propósito colocar este comentário.

    Sou jornalista há mais de 20 anos e há muito tempo que não lia uma peça tão boa. Fez-me voltar a acreditar nesta nossa profissão, tão "ocupada" com agendas e pressas editoriais. Não a conheço pessoalmente, mas deixo aqui os meus parabéns, camarada Helena.

    Quanto ao Leandro, mais uma vez foi necessário aparecer um mártir para que a sociedade olhe para o sofrimento de muitos.

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  6. resisti durante dias a mencionar o caso do leandro no meu blogue. resisti a comentá-lo nos blogues de outros. resisti à emoção quando li o seu artigo no jornal de notícias.

    depois ouvi o carlos magno lê-lo na antena 1.

    a partir daí quebrei. senti lágrimas, mencionei o caso no meu blogue, nos dos outros e, antes de descobrir o seu, não resisti a citar directamente o seu artigo.

    como só agora descobri o seu blogue, e apesar de a ter citado com o devido crédito, agradeço que me informe, caso não o aprove.

    que artigos como o seu ajudem a prevenir ou remediar outros casos. obrigado e parabéns.

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  7. a ti Leandro pedimos-te perdão porque não te conseguimos proteger no local onde deverias estar mais protegido. A nossa sociedade não tem capacidade de ver mais além e desta vez alguém pagou com a própria vida. Que Deus te proteja e tenhas tudo de bom, pois aqui foste realmente um sofredor um bem haja a ti meu pequeno. fatima alves

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