domingo, dezembro 20, 2009

São Bento e Belém: “guerra de fracos”


Desde o estatuto dos Açores que a relação entre Belém e São Bento não voltou a ser a mesma. José Sócrates e Cavaco Silva recusam admitir o divórcio, mas entre eles tudo faz faísca. Até quando pode um país em crise aguentar este conflito?

Parece uma daquelas intermináveis séries de televisão em que as temporadas sucedem-se ininterruptamente mas não acrescentam nada às anteriores. Há dois personagens com poder no centro do conflito, raras vezes estão de acordo e nunca respondem directamente um ao outro. Não é ficção. Cavaco Silva e José Sócrates são os responsáveis máximos do país. Mas a série está longe de chegar ao fim. E eles muito longe de estabelecerem uma base de entendimento. O preço, afirmam os politólogos ouvidos pelo JN, é pago pelos portugueses.

“É uma guerra entre fracos, entre duas personalidades que estão a desempenhar funções muito abaixo dos níveis olímpicos que o país exige nesta altura”, lamentou Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático da Universidade de Lisboa. “O conflito cresce na proporção inversa da capacidade que eles têm para responder aos problemas reais do país”.

E esses problemas, defende, não são nem a falta de comparência de José Sócrates ao encontro com o Presidente da República, nem a rejeição de Cavaco Silva ao casamento homossexual – os dois motivos que voltaram a incendiar a relação entre os dois órgãos de soberania. A esse tipo de problema, no entanto, nenhum gabinete resiste a comentar. “O gabinete do primeiro-ministro já não estranha a intriga mesquinha que, a propósito e despropósito, é colocada nos jornais contra o primeiro-ministro”, reagiu São Bento sobre o mal-estar que a ausência de Sócrates terá provocado em Belém. “O relacionamento do Presidente da República com o primeiro-ministro é do domínio reservado. A Presidência não alimenta intrigas montadas para desviar as atenções”, respondeu Belém.

“É difícil ir mais longe nesta crispação do que eles já foram”, analisa João Cardoso Rosas, professor universitário de Teoria Política. Com a agravante de “estarmos constantemente a assistir a recados encomendados, a comentários por interposta pessoa (Sérgio Sousa Pinto, por exemplo, criticou anteontem Cavaco por causa do casamento gay.)”. Ou, como afirma Soromenho-Marques, assistimos “a uma espécie de guerra de estratégia indirecta, em que a tensão sobe ou desanuvia, mas nunca atinge o patamar de cooperação, que Cavaco prometeu no seu discurso de tomada de posse”.

A data do desmoronamento da relação entre ambos não oferece dúvidas: “o entendimento ruiu e a confiança quebrou-se com o veto do presidente ao estatuto político-administrativo dos Açores há um ano”. Mas também, relembra Cardoso Rosas, “porque foi nessa altura que Manuela Ferreira Leite assumiu a liderança do PSD. Teria sido fácil a Cavaco manter a sua promessa de cooperação se os líderes do PSD continuassem a não lhe agradar”.

A um ano das eleições presidenciais e três meses depois de ter sido eleito um governo de minoria relativa, “a chave tem pouco a ver com a incontinência verbal a que temos assistido”, torna Viriato Soromenho Marques. “O país precisaria de uma liderança política forte e na qual confiasse. Isso não só não acontece, como temos os dois principais órgãos de soberania fragilizados, com défices de popularidade e entregues a declarações infelizes, nas quais a melhor defesa é o ataque”.

“Nenhum fica bem na fotografia”, corrobora João Cardoso Rosas, sem disfarçar a “surpresa” pelo caminho seguido por Cavaco. “Esperava dele uma intervenção de fundo sobre o futuro do país e não a permanente tentativa de imiscuir-se na esfera do governo”. E acrescenta: “Sem alternativa que justifique dissolver a Assembleia e convocar eleições antecipadas, resta saber qual será a plataforma em que irá basear-se a recandidatura de Cavaco. Repetirá a promessa da cooperação estratégica?”

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