sábado, dezembro 05, 2009

Patrick Watson: Perto do paraíso


Do fim para o início. Já chegámos ao paraíso e Patrick Watson está lá em cima, sete megafones de luz às costas, insondável instrumento, braços no ar, o corpo esguio empoleirado numa cadeira no meio da sala, das pessoas, do riso, feliz "special tea", a evangelizar a centena que ontem à noite esteve no Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Aquela sala é um santuário, a cadeira vermelha um altar, Patrick Watson um deus. Ele, mestre, maestro, eleito líder espiritual por duas horas, manda e o público obedece, e todos repetem com ele, todos rendidos, perdidos de riso, embora sem o special tea, todos de braços pendurados no ar: "Just me, the fish and the sea". E a sentença da canção "Man under the sea", retirada do álbum Close to Paradise [2006], repetida durante minutos a fio numa penumbra memorável e mágica, sobe sem pressa de volume até uma espécie de apoteose. Ele está ali para salvar. Naquela sala há uma seita. Não tem nome, talvez nem crença, mas está feliz. O momento é de eucaristia. Porque há ali qualquer coisa que ressuscitou.

Do paraíso para o céu. Há em Patrick Watson, rapaz canadense, idade e barba de Cristo, qualquer coisa de conto de fados, qualquer coisa de corvo branco, de baile de praça francesa, de Amelie Poulain, qualquer coisa de manto celestial, de ironia aguda, de pimenta negra, dizem de cabatet, de experimentalidade, definitivamente. Estava ali para apresentar Wooden Arms, editado em Abril. A maioria queria apenas, ou pelo menos mais o paraíso: The Great Escape a arrepiar, a doer, ele ao piano, véu de bréu integral, o real fim do ruído, a grande saída, o fim de um dia ruim. Podes apenas colocar um sorriso e respirar? Mas o disco novo, longe de parecer estrangeiro, surgiu ali como se sempre tivesse feito parte do outro. Watson ao piano, e ninguém cruza a perna para tocar piano, mas ele cruza, cruza e diz enquanto limpa as chagas com água benta: You open your ears and heart. You put a big bird in a small cage, it will sing you a song.

Do céu para a terra. Ah, se a humanidade soubesse que às vezes a salvação está só à distância de um piano! Patrick Watson toca hoje em Lisboa. No Porto, passou em segredo. Alguém saberá porquê?!

2 comentários:

  1. uau. mas será que chegamos mesmo a atingir o paraíso, ou aquela noite não passou de um dos nossos melhores sonhos?

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  2. Dois dias passaram e a sensação com que saí do concerto continua colada à pele... Foi mesmo o melhor concerto da minha vida? Ou terá sido uma espécie de alucinação colectiva? Ninguém cruza as pernas para tocar piano... :)

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