sexta-feira, agosto 28, 2009

MST: my guilty pleasure?

Quem odeia Miguel Sousa Tavares (MST) vai amar a entrevista dele a Carlos Vaz Marques publicada na Ler deste mês. Da pequena colecção de entrevistas realizadas recentemente a propósito do quase romance No teu Deserto, esta é claramente a melhor. Aliás, é a única realmente boa. Mas quem odeia MST vai amar esta entrevista porque, por uma vez rara, é possível vê-lo ali a patinar em alguns campos. Sobretudo, justamente, no da literatura. Quem não gosta dele, poderá encontrar ali farto material para poder dizer o que tentam dizer-me mais vezes do que aquelas que tenho paciência para ouvir: "Estás a ver?! Eu não te disse que o gajo tem a mania, mas não sabe nada?!"

Numa conversa conduzida com invulgar perfeição, MST é obrigado a confessar (para o que isso valer, claro!) que nunca leu Ulisses, de James Joyce. Aliás, nem Joyce nem Faulkner, indiscutivelmente dois dos maiores escritores do século XX. É confrontado com a sua insistência em Marguerite Yourcenar (já toda a gente o terá ouvido referir, pelo menos uma vez, as Memórias de Adriano como exemplo maior do que a boa literatura deve ser) como se ela, a escritora belga, fosse a única cuja obra domina. Ele percebe a rasteira, e atira Tchékhov. Xeque-mate.

Mais à frente (a entrevista tem 12 páginas), a propósito dos novos autores nacionais, MST é levado a reconhecer que talvez não conheça tão bem quanto julga a obra de José Eduardo Agualusa. "Tenho a presunção de ter sido quase o [seu] descobridor, quando li aquele que para mim, até hoje, ainda é o melhor livro dele, o primeiro, a Estação das chuvas", disse. Acontece que este livro (meio romance - meio biografia), sobre a poetisa angolana Lídia do Carmo Ferreira, desaparecida em 1992, foi o quinto do escritor angolano, e não o primeiro, como julgou MST - nem sequer o quarto, como rectificou Carlos Vaz Marques.

Sobre António Lobo Antunes, MST diz-se e desdiz-se. Tão depressa foi "grande admirador" dele, porque ele terá sido um "inovador, no início", como desafia alguém a lembrar-se do nome de um dos seus personagens ou a conseguir caracterizá-lo. Sobre José Saramago, não resiste a dar-se uma importância que talvez o Nobel não lhe tenha dado. MST atribui-lhe de cor a frase: "Não me preocupa rigorosamente nada que o Miguel vá embora para o Brasil". Carlos Vaz Marques volta a rectificar. A frase de Saramago foi: "Tanto me faz que ele vá para o Brasil ou para Marte".

Seria possível desmontar ainda mais um ou outro lapso ou contradição ou pequeno deslize. Mas para mim, que adoro MST (Tiago Sousa Garcia descobriu, ainda antes de mim, que talvez MST faça mesmo parte dos meus guilty pleasures), com todos os seus lapsos, contradições, deslizes e fragilidades, a entrevista vale mesmo a pena, porque nela ele fala de si como raras vezes o temos ouvido falar: da mãe Sophia, do pai Francisco, do que reteve e aprendeu de um e outro, da infância com esses pais tão pouco "normais". E por aí fora. E ainda revela que vai mesmo acabar uma BD da qual eu julgava que ele já tinha desistido. E, hélas, uma peça de teatro!

4 comentários:

  1. É Tiago Sousa Garcia, Helena, não Cardoso :)

    E é verdade, quem odeia o MST tem muito por onde pegar nessa entrevista, quase chego a ter pena das respostas dele a algumas perguntas. Depois disso, vejo-o a falar da mãe: a pena passa a inveja. Pura inveja.

    Cheers

    tsg.

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  2. Tiago, nunca acerto! Valha-nos Deus! As minhas desculpas!

    Cheers!

    h.

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  3. Esta entrevista vale mesmo a pena! Li-a ontem, enquanto punha gelo na perna. Também é o meu guilty pleasure...

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  4. No Brasil, adoramos MST, desde sua primeira visita, em 2004, quando veio à FLIP dias após a morte de sua mãe. E vem sempre, e é sempre um grande evento. Seus livros aqui são festejados e vendem como pão fresco! Estou sempre a falar dele no meu blog, o Guia de Leitura, que Helena já conhece.

    andréia

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