"O Porto chama por ti". O slogan lê-se aqui e ali, num ou noutro tímido cartaz da cidade. Numa cidade a sério, este slogan seria levado a sério, cumprido à risca, ancorado num programa sustentado, transformando o Porto numa paragem obrigatória de Verão. Não é, como se sabe, isso que acontece. Aliás, até hoje nunca tinha percebido muito bem o que este slogan pretendia anunciar. Mas ontem, superando o pouco-mais-do-que-nada do slogan, lá decidi ir a um dos raros acontecimentos que Rui Rio não abortou com a sua máquina de calcular: as Noites Ritual.
Fui lá única e exclusivamente para ver o concerto dos Blind Zero [na foto]. Mas quando lá cheguei, ao futuro ex-Palácio de Cristal, tive uma sensação que há muito tempo não me invadia: não exactamente a de que é bom viver no Porto, mas a de quão seria bom viver no Porto se o Porto tivesse um presidente de Câmara com noções básicas do que é imprescindível numa cidade de média dimensão. O Palácio, ou o Pavilhão Rosa Mota, ou o embrião de um centro de congressos, estava ali, vivo, apinhado de gente, a fervilhar numa noite anormalmente quente. Foi quase bonito.
Quase tão bonito como o dito concerto que lá me levou. O concerto dos Blind Zero (esqueça-se um Miguel Guedes de cabelos fartos a cantar à Eddie Vedder e substitua-se o personagem por um sonhador Jeffrey Beaumnont subtraído ao imaginário de David Lynch) começou ainda antes de começar: ouve-se Blue Velvet, Blue Star cantado por Isabella Rossellini, ela ali naquela voz erótica a dizer que guardará sempre na memória o veludo azul dos olhos, do vestido, daquela noite, que o guardará sempre ao longo dos anos através das lágrimas, e começamos a imaginar que estamos nos anos 60 e que a qualquer momento poderá irromper pelo palco uma cantora de cabaré, um Dennis Hopper sádico, uma orelha humana esquecida no chão. Nada disso aconteceu, mas com aquele início, aquele concerto só nos poderia levar muito longe. E levou. A Luna Park. Tal como no filme, ali também existiram duas histórias: uma que (ou)vimos e outra que apenas sentimos. O thriller e o conto de fadas.
Depois, houve ainda Mão Morta, concerto político como aquela noite merecia. Adolfo Luxúria Canibal, inconfundível, certeiro, a reclamar a propriedade do Palácio para a cidade. E fomos outra vez dar a Lynch: "It's a strange world." É estranho o mundo criado por Rui Rio, o verdadeiro sociopata do filme.
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