O fantasma é o desejo de que o desejo possa ressuscitar no corpo de alguém que fez "um pacto de aliança com a monotonia", esquecendo o sexo e o sexo oposto, a tentação, a sedução, a avidez, o prazer, o incêndio, a agonia e o ciúme. E, claro, o amor. "Um grande amor quando a vida já vai longa chega ao arrepio de tudo". O fantasma é achar que se consegue regressar à vida, retomando-a no exacto momento em que ela foi deixada. Mesmo que já tenham passado onze anos. E tudo tenha mudado tanto.
O fantasma é Nathan Zucherman, que conhecemos de outros livros de Roth, aqui com 71 anos, cancro na próstata, incontinência urinária e consciência aguda de uma galopante velhice - a velhice, outra vez - no momento em que menos precisava dela. "Eis a solução dos senis: esquecer". O fantasma que sai de cena é ele, escritor conceituado, quando abandona Nova Iorque para viver longe de quem o ameaçou, também de morte, numa aldeia isolada. E é ele quando volta a sair, provavelmente para sempre, depois de ter regressado para cumprir os tratamentos de quimioterapia, na véspera da segunda eleição de George W. Bush, esse "filho transviado, malévolo e colérico", em Novembro de 2004.
Nesse não previsto regresso à civilização, Zucherman encontra Amy, antiga amante de um antigo amigo, também escritor, já morto, de nome Lonoff. Uma mulher de muitos anos, que um dia foi uma sensual menina-mulher que desfez o casamento do dito amigo. Uma mulher que ele quase cobiçou e que agora está ali, tão ou mais doente do que ele, de tumor cerebral, na recta final da vida. "Uma mulher que passou cinquenta anos a recordar quatro anos - a definição de uma vida inteira" - os quatro anos com o bom amante transformado em mau marido. "Na adversidade tudo era estranhamente arrebatador, e quando não havia obstáculos fomos profundamente infelizes."
Zucherman encontra também um jovem jornalista, Kliman, que quer escrever a biografia de Lonoff, seguro de que terá descoberto um sórdido pormenor da sua vida que lhe pode valer o bilhete para a saída do anonimato. Um jovem jornalista do qual tenta repugnada e desesperadamente ver-se livre. "O homem que tem o domínio das palavras, o homem que toda a sua vida inventa histórias, acaba, depois de morto, por ser lembrado, quando muito, por uma história inventada a seu respeito, em que a sua marca oculta de vulgaridade é descoberta e descrita com impiedosa franqueza, clareza, certeza, com solene preocupação pelas mais delicadas questões de moralidade, e com nada modesta dose de prazer".
Zucherman encontra, finalmente, e não exactamente por esta ordem, Jamie, a mulher (sempre muito mais nova, estamos no planeta Roth) com quem iria só permutar a casa, tão aterrorizada que ela estava com o 11 de Setembro, e mais ainda com a possível reeleição de Bush, que acabaria por concretizar-se. E que se transforma, amor à primeira vista, na mulher que o faz desejar que haja caminhos de regresso ao passado, ao tempo em que a idade não trai o desejo. "A velocidade da atracção não permite resignação nem contém em si resignação alguma - só há espaço para a avidez do desejo." A mulher que o consome e com quem, na ausência da coragem que a velhice impiedosamente subtrai, vai tendo conversas imaginárias. "Mas não será o nosso coeficiente de dor suficientemente chocante sem a amplificação ficcional, sem dar às coisas uma intensidade que na vida real é efémera e por vezes até invisível?"
Não é o melhor livro de Roth, mas é Roth. É impossível não ser muito bom.
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