segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Mário Crespo: ele bem avisou que é o monstro da década...


É o nosso Larry King, o entrevistador implacável. Mário Crespo, jornalista há mais de 30 anos, “sem folclore”, dá respostas do mesmo calibre das suas perguntas. “Sou o monstro da década”, revela.

As suas entrevistas são um duelo de titãs ou sente que tem quase sempre a faca e o queijo na mão?
Entrevistas não são nem duelos nem espaços para fazer sanduíches de queijo. São períodos de colheita de informação sobre factos e entrevistados. Se eles se revelam, são bem conseguidas; se não, falham.
Como é que se sai de uma entrevista como a que fez ao Major Valentim Loureiro?
Sai-se bem disposto e divertido. Factos e entrevistados revelaram-se, portanto a entrevista foi conseguida.
Já voltou a falar com ele depois disso?
Não conheço pessoalmente Valentim Loureiro. Se nos cruzarmos, claro que lhe falarei o mais cordatamente possível.
"Não tenho medo de ninguém! Quantos são?" Pode aplicar-se a si a frase que é dele?
Claro que tenho medos, mas julgo que reajo bem ao medo. “Medo de existir”, no sentido em que José Gil o define, isso não tenho. Pelo contrário. Como William Henley [poeta bitânico] escreveu no seu poema Invictus, “Eu comando o meu destino, eu comando a minha alma.” Não sou nem mais nem menos do que aquilo que faço de mim.
Já alguma vez sentiu vontade de tomar um Xanax (ou um sucedâneo) antes ou depois de uma entrevista?
Nunca tomei drogas que alterem o comportamento. Só medicado e em caso de real necessidade medica no sentido fisiológico. Não sou atreito a depressões.
E vontade de dizer: "Espere por mim lá fora, que eu quero continuar esta conversa"?
Normalmente sou muito selectivo com quem tenho conversas lá fora. Leva muito tempo a conseguir intimidade real comigo.
Numa eventual compilação de gafes televisivas, caberia a sua pergunta a Pedro Silva Pereira: "O tio era ou não tio do Primeiro-ministro"?
A resposta é a mesma que dei ao ministro. “Não brinque comigo com palavras, que eu também não brinco.”
Porque é que, depois dessa entrevista, sentiu necessidade de escrever uma crónica, no JN, a explicar por que razão não é insultuoso interrogar um membro do Governo sobre a existência de eventuais trocas de favores por dinheiro?
Não senti necessidade. Achei que era importante denunciar a visível indisponibilidade do Governo para enfrentar o problema do Freeport sem sofismas e optar por evasivas semânticas, estilo “Oh tio, oh tio”, com manobras de Chicoespertismo.
Assistindo às suas entrevistas, fica a impressão de que faz as perguntas ora na condição de jornalista, ora na de cidadão. Onde fica a fronteira?
Não há fronteira. O jornalista é um cidadão.
Sente que está naquela fase da carreira em que tudo lhe é permitido perguntar?
Não. Nunca faria perguntas de carácter pessoal que fossem ofensivas. Nem em estrevistas, nem em privado.
O que responderia a quem o acusa de confundir acutilância com vedetismo?
Mandava-os falar com o Ministro Silva Pereira.
Sentiu mesmo medo de entrevistar António Lobo Antunes? Porquê?
Claro que sim. Porque é um homem que nos conhece como povo melhor que ninguém e porque gosto muito dele. Intimida sempre gostar muito de alguém.
Essa confissão, logo à cabeça, terá contribuído para a sua nomeação na categoria de Melhor Entrevista do Ano para a primeira edição da cerimónia Monstros do Ano, cujo prémio será entregue na próxima quarta-feira. Prefere esta gala "alternativa" ou preza mais os clássicos Globos de Ouro?
Nem sabia que era o Monstro do Ano. Se sou, porquê só do ano? Eu ando nisto há pelo menos três décadas. Ao menos, o Monstro da Década.
Alguém disse que é o jornalista que mais elogios ouviu em directo. Para quem subscreve a ideia de que a morte é o preço a pagar pelo prémio que é a vida, o que representa poder presenciar, em vida, estes testemunhos?
Presumo que quem disse isso não tenha sido o Ministro Silva Pereira nem Valentim Loureiro...
Mário Crespo, o entrevistador, gostava de ser entrevistado por quem?
Até aqui, por sorte minha, tenho sido entrevistado por muito boa gente.
Em que patamar estaria o país se, no horário em que está, em vez de competir com as novelas da TVI tivesse que o fazer verdadeiramente, por exemplo, com a RTP N?
Seria um país diferente e eu não lido com cenário hipotéticos. Vou competindo com aquilo que se me depara.
De onde lhe veio a ideia de narrar acontecimentos históricos no momento em que está a ser apresentada a meteorologia?
É uma invenção pura e simples.
Como é que um jornalista com a sua experiência olha para a empresarialização do jornalismo?
Só há jornalistas com jornais. Só há entrevistadores de TV com estações de TV. Não existimos sem os suportes que nos alimentam. Temos que cuidar de todos.
Ter estado no desemprego aos 50 anos fá-lo estar mais ou menos solidário com os recentes despedimentos colectivos na profissão?
Solidário estarei sempre. O único conselho para os desempregados é procurarem emprego rapidamente. Foi o que fiz. Pensem também que há vida para além do jornalismo.
Afirmou, recentemente, em entrevista ao Diário Económico, que não votou em José Sócrates em 2005, mas que tenciona fazê-lo este ano. Afirmou-o antes de o caso Freeport ter ressuscitado. As notícias abalaram a sua intenção de voto?
Abalaram muito. Se o Ministro Pedro Silva Pereira me tivesse respondido que não havia possibilidade de haver trocas de favores por dinheiro no seu Ministério sentir-me-ia, como cidadão, mais seguro. Mas ele não consegui responder isso. Confio, como cidadão, que surjam alternativas que me encorajem a votar com entusiasmo e esperança.
O jornalismo representa necessariamente a verdade dos factos?
O jornalismo, para mim, representa sempre e só a busca da verdade dos factos.
É possível, hoje, fazer jornalismo sem folclore?
Com toda a humildade, eu acho que faço jornalismo sem folclore.
Continuar a desejar voltar a América significa que Portugal não é a sua casa, no sentido daquela frase que diz "My home is where my heart is"?
A minha casa é em Portugal e não tem hipotecas nenhumas, nem materiais nem afectivas. A América é e será sempre uma espécie de amante para mim.
Foi o único correspondente português acreditado na Casa Branca. Apesar de já ter dito que não votaria Obama, preferia estar lá agora ou na altura [1991-1998]?
1991/1998 foi um período muito interessante. Houve as lutas por Timor Leste e os escândalos da Fundação Luso-Americana. Foi tudo jornalisticamente muito activo e aumentei o meu clube de fans significativamente…
Com o seu imaginário todo sintonizado na América, quais são os seus filmes favoritos para os Oscars?
Digamos que o filme que eu mais gostei de ver ultimamente foi o Nixon/Frost. Antes da entrevista recomendei-o ao Ministro Silva Pereira. Ignoro se ele segui o meu conselho. Acho que lhe fazia bem vê-lo.

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