quinta-feira, janeiro 07, 2010

Cormac McCarthy: A estrada

"Quando sonhares com um mundo que nunca existiu ou com um mundo que nunca existirá e te sentires outra vez feliz, então é porque já desististe. Percebes? E tu não podes desistir. Eu não te deixo desistir”. A frase é dita pelo pai ao filho enquanto ambos atravessam o mundo depois de o mundo ter acabado e é a frase que melhor define "A estrada", o superior e comoventíssimo romance de Cormac McCarthy publicado em 2006.

Em nenhum momento é dito o que provocou o apocalipse e também não é necessário. A história é menos sobre um mundo pós-apocalíptico do que sobre aquilo que sobrevive ao instinto básico de sobrevivência. "A fragilidade de todas as coisas enfim revelada". Diz-nos que é possível sobreviver à fome e ao frio e aos "homens maus", mas não é possível sobreviver à ausência de amor. McCarthy fala da única coisa que não se deixa para trás quando já quase tudo morreu, as pessoas, as plantas, os animais, quando já não há comida nem abrigo para o frio nem para o escuro nem para o medo. Quando já quase não há esperança. A Estrada é sobre a abnegação.

Pai e filho caminham para Sul, para a Costa, a fábula que o homem conseguiu inventar para alimentar a esperança da criança. Para que ela não desista. Num percurso longo, denso, árduo e silencioso ambos são confrontados com as sobras do que existia antes, cinza e poeira, "rastos fossilizados na lama seca", alguns forasteiros, resistentes como eles, mas transformados em canibalistas, e com a necessidade, o pai, caso haja futuro, de ensinar o filho a defender-se. Mas como é que se ensina uma criança que nunca conheceu o mal a distingui-lo do bem? As conversas, curtas, entre os dois são um ferro quente a esgravatar o coração:

- Posso perguntar-te uma coisa?
- Claro que sim.
- Vamos morrer?
- Um dia havemos de morrer. Mas não agora.
- E continuamos a ir para Sul?
- Sim.
- Está bem.
- Posso perguntar-te outra coisa?
- Sim. Claro que podes.
- O que é que fazias se eu morresse?
- Se tu morresses, eu ia querer morrer também.
- Para poderes ir ter comigo?
- Sim. Para poder ir ter contigo.
- Está bem.

John Hillcoat adaptou o inadaptável: pegou neste romance e colocou-o no cinema - o filme estreia hoje. Mas não é aconselhável. Pelo menos, sem antes se ler o livro. O realizador limitou-se a coser os momentos, raros, de acção do romance e deixou de lado os diálogos, os silêncios, a tensão, toda a profundidade da relação entre aquele pai e aquele filho. O filme, com música de Nick Cave e cenários sépia muito parecidos aos que imaginámos quando lemos o livro, não é propriamente mau, mas está a muitas, muitas milhas da obra absolutamente superior de Cormac McCarthy.

1 comentário:

  1. Adorei o fimlme
    e agora gostaria de ler o livro, porque ao ver o filme nao consegui perceber o porque de a cidade, ou pais, estar todo destruido!
    E fiquei muito curiosa para saber!

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