quinta-feira, setembro 03, 2009

Round I: Sócrates 0 - Portas 1


José Sócrates chegou atrasado ao primeiro debate onde previsivelmente estaria em desvantagem. Era na TVI, era moderado por Constança Cunha e Sá (próxima de Paulo Portas desde os tempos do defunto Independente), e era com Paulo Portas, orador imbatível, rapaz que estuda bem a lição em casa, e que nos últimos tempos tem dito e defendido coisas que não serão de subestimar.

Houve quatro temas em debate (embora aquele modelo, sinistro e absurso, de debate nada tenha): economia, política social, segurança e educação. Sócrates perdeu em todos. E perdeu também pelo estilo: postiço, artificial, nervosinho. Portas passou aquele confronto descontraído, com a mão pousada no queixo, como se estivesse no café, vagamente entediado. Um artolas à espera de ver o adversário escorregar na sua própria casca de banana. E Sócrates, sempre aflito com as regras do jogo, foi escorregando, escorregando, uma vez, duas, três, até cair. Perdeu. Em toda a linha.

Perdeu e foi pena. Porque podia ter ganho sem ter mentido, sem ser demagógico, sem usar aquele insuportável discurso eleitoralista, os olhos postos na câmara. A principal diferença entre os dois é que Sócrates não levava a lição estudada. Como é possível?! Despeçam-lhe os assessores!

Economia: Portas abre as hostilidades, diz que a política do PS fracassou, que o governo decretou o início da retoma quando a crise chegou a Portugal, que anunciou o princípio do fim da crise na véspera de se saber que existe meio milhão de desempregados. Que é preciso investir nas PME, responsáveis por dois milhões de postos de trabalho, em vez de se investir nas grandes obras públicas, que só servirão para consumir o crédito e endividar ainda mais o país. Que a carga fiscal nacional é uma das cinco mais altas da Europa. Que cada português pagou, em média, mais 310 euros de IRS, o que na totalidade significa mais 1,5 milhões de euros. E que o défice aumentou, está altíssimo. Que o optimismo de Sócrates é irresponsável.

É aqui que, apesar de tudo, Sócrates se sai menos mal - mesmo assim, pouco bem. Responde que não é optimista, mas determinado. E aos números responde com números. Diz que houve um tempo em que ao Estado se exigia que colocasse as contas em ordem - e ele colocou logo em 2005; um tempo em que se exigia que o país crescesse - e ele colocou o país a crescer 2%; que combatesse a crise internacional - e ele fê-lo. Tanto assim é que, sublinhou, Portugal foi um dos primeiros países a sair da recessão técnica. Em quatro anos, recordou, apoiou 40 mil PME quando Portas, em 2004, então no Governo, apoiou apenas 1500. E se o desemprego sobe 1,4% em Portugal, sobe 2% no resto da União Europeia. Que o desemprego terá portanto a ver com a conjuntura mundial. Que criou mais programas de apoio aos desempregados, que há 30 mil jovens a trabalhar em IPSS, que muitas empresas em lay off começam agora a chamar os seus empregados. Tudo graças aos programas criados pelo governo.

Portas discordou, estrebuchou, disse que Sócrates recebeu um país com 387 mil desempregados e deixa um país com 507 mil. Que dificultou a vida aos jovens que não têm emprego, estendo o período de acesso ao subsídio, e desprotegeu as pessoas com mais de 65 anos, dificultando-lhes o acesso antecipado à reforma. Que se achava que 6,9% de desemprego seria uma marca trágica, o que dizer dos actuais 9,2%. Estes quatro anos e meio de governação socialista têm mais do que matéria para responder a isto. Mas Sócrates não conseguiu dizê-lo, explicá-lo claramente. Vá lá saber-se porquê.

Política social: Portas debita o seu conhecido relambório contra o RSI, que é tudo menos de menosprezar. Que uma parte do subsídio deve ser pago em géneros, que deve ser fiscalizado, que a taxa de fraude é de 25%, que dever sei incutido em quem o recebe a cultura do dever. Que de outra forma, o RSI é insultusoso para quem trabalha e ganha em média 700 euros mensais e desse parco rendimento ainda tem que pagar impostos, renda de casa, transportes, abono de família não majorado, blá blá blá. Há que assumi-lo: concordo com Portas nisto. Disse ainda que existe 1,4 milhões de idosos com rendimento abaixo do salário mínimo, o que fica muito além dos beneficiários do CSI, sete vezes mais.

E se há campo em que Sócrates deveria estar à vontade é este, porque se há campo em que este governo trabalhou bem foi no da Segurança Social, com medidas histórias, únicas. Mas aqui Sócrates já estava demasiado contidamente irritado para conseguir raciocinar e defender-se - e tinha tanto por onde defender-se. Ainda disse que que aumentou o salário mínimo em 10%, que o CSI abrange 230 mil idosos que antes viviam na pobreza, que para esses o acesso aos medicamentos genéricos passou a ser gratuito, que o abono de família aumentou, que criou o abono pré-natal, que a acção social escolar abrange hoje meio milhão de crianças (o dobro de 2004), que investiu nos equipamentos sociais, lares e sobretudo creches. E tudo isto é verdade. E tudo isto é fundamental. Mas dito assim, em catadupa, surte pouco efeito. E, mais grave, deixou-se engolir pela temática da privatização - defendida pelo CDS e pelo PSD de formas diferentes - da Segurança Social e depois não soube sustentar a sua própria crítica. Lamentável.

Segurança: Portas como peixe na água; Sócrates a morrer afogado. Sócrates já só a reclamar as regras do jogo (exalta-se porque Portas volta atrás, à Segurança Social, para explicar que 25% das pensões estão na bolsa com o governo socialista, embora o PM critique as medidas apresentadas neste mesmo sentido pela direita) e Portas a descarrilar para uma falta de educação como nunca se lhe tinha visto. Fica daqui a frase dita naquele tom do "Vá à merda", mas com o texto: "Vá interrogar os seus camadas, que eu estou a usar o meu tempo". A mesma frase repetida quatro vezes. Surreal. Hoje ninguém falará dela porque é made in Portas; se tivesse sido dita por Sócrates, hoje o país caía.

De resto, criminalidade aumentou, diz Portas; não aumentou, excepto num ano, diz Sócrates. Aumentou por causa da reforma penal e da revisão da prisão preventiva, diz Portas. E aqui, Sócrates empanca. Literalmente. Traz fisgada que Portas aprocou a lei e que contrariá-la agora é pura demagogia. E como disco riscado, não consegue sair do: "Mas votou ou não votou? Diga lá, não votou? Votou?" Deprimente. Oportunidade para Portas debitar mais números: o Cacém tem 56 efectivos para 60 mil pessoas; a damaia tem 40 mil para 21 mil habitantes, blá blá blá. E Sócrates, entalado, não faz mais nada, volta a ser a cinco anos, e dispara: "Pois é, mas eu nunca aceitei que o Estado português entrasse numa guerra ilegítima. E esse fardo vai persegui-lo para sempre". Importa-se de repetir? Custa a acreditar que o PM tenha dito isto. Nova deixa para Portas: "À insegurança nacional, Este PM responde com a guerra no Iraque". Risos. Pois...

Educação: Portas defende um sistema de ensino em que que haja liberdade de escolha dos pais relativamente às escolas públicas e privadas para que se gere competitividade. Para que se acabe com o facilitismo no qual os alunos vivem e que passem de ano por mértio, trabalho e assiduidade. Outra ideia que é tudo menos dispicienda. Sócrates diz que não aceita desviar dinheiros públicos para financiar o ensino privado. E atira os seus troféus de caça: 120 mil no ensino profissional quando em 2004 havia 30 mil; 900 mil nas Novas Oportunidades, 100% de escolas básicas com inglês, desporto e música e abertas até às 17h30 quando antes eram apenas 20%, uma taxa de insucesso escolar reduzida a metade. Outras vez verdades, outra vez ditas de uma forma que não passa. Do circo dos professores, sistema de avaliação e afins, não me apetece falar. Sou, obviamente, contra os professores e a favor deste modelo de avaliação.

Soundbyte de Portas: "Para este PM tudo é culpa do passado ou do mundo."

Soundbyte de Sócrates: "Eu sei o que fizeste no Verão passado."
[Este debate foi o programa mais visto, com 1,4 milhões de telespectadores, de acordo com dados da Marktest. Registou uma audiência média de 15,2% e um share de 39,8%]

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