quinta-feira, janeiro 02, 2014

12 years a slave by Steve McQueen *****

1 comentário:

  1. É paradoxal e sobretudo triste que o Steve McQueen tenha escravizado o seu cinema para (ou ao) abordar o tema da escravatura, ele que até aqui conseguira fazer entrar um sopro de liberdade numa indústria aprisionada pela insensível ganância dos patrões. Mais importante até do que fazer aquelas pontes pretensamente (e só pretensamente) subtis entre a América de ontem e a de hoje era fazer desta história - contada de outra forma, pelo outro Steve McQueen - uma metáfora do cinema americano, embora isto e aquilo sejam, afinal de contas, a mesma coisa: como já o mostrara outro (posteriormente confirmado) candidatíssimo a Óscar, "O Artista", também realizado por alguém "de fora", a história da América é a história do seu cinema, ou não fosse aquele país uma ficção. "Não há pecado. Um homem faz o que quer com a sua propriedade", postula o Fassbender a meio do filme. A ironia, os mais precipitados chamar-lhe-ão juízo final, é que de tanto se apropriar da sua memória e do seu destino, a América não sabe hoje o que é nem o que fazer de si mesma. Eu fico sempre decepcionado quando um artista se conforma, e até ter visto este "12 Anos Escravo" pensei que o Steve McQueen era um artista. Vou dizer o que eu vi: um filme escravo da narrativa, quase académico, sem uma ideia de cinema, parasita de expedientes próprios de tarefeiros e incapaz de acrescentar alguma coisa de relevante ao que eu já sabia sobre a escravatura. As personagens moldam-nos as emoções essencialmente pelo lado moral em que competem, já que em termos de estrutura são prontas-a-vestir e a complexidade psicológica que poderiam ter no livro do senhor Northup (de mil oitocentos e troca o passo) foi transformada em papa pela varinha mágica do realizador. Há dias, ao ver um vídeo de uma entrevista ao David Foster Wallace (um prodigioso escritor norte-americano que se suicidou em 2008), deparei com uma ideia dele que faz sentido mencionar aqui: "Se criticamos a ditadura do entretenimento em programas como este, falamos apenas para pessoas que têm a mesma ideia que nós sobre o entretenimento, e então não estamos a fazer nada; se, por outro lado, usamos as ferramentas do entretenimento para criticar a ditadura do entretenimento estamos a ser incongruentes e a deixarmo-nos levar na corrente". Um dilema, sem dúvida. Mas até agora o Steve McQueen tinha dado mostras de ser um funâmbulo, habitando com mestria uma linha de fronteira entre as duas hipóteses. Ao terceiro filme, para mim, deixou-se cair. E, já se sabe, quanto mais alto se sobe maior é a queda.

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