sábado, março 30, 2013

Promise land by Gus Van Sant *****



E, no fundo, tudo se resume a isto: ou se descobre o amor, ele inspira, contagia e salva o mundo, ou achamos que a vida é só um emprego e que a vida dos outros tanto faz. Este filme é uma viragem na carreira de Gus Van Sant. Excelente banda sonora, ainda por cima.

quinta-feira, março 28, 2013

"Tomar a palavra"



"Cada povo tem direito à sua música e ao silêncio. Tem direito a decidir de que modo quer interromper o silêncio. Direito a escolher que sons quer: que palavra e que nota musical. Mas, repara: não há silêncios populares. Como isso assusta."
Gonçalo M. Tavares, Um Homem: Klaus Klump

quarta-feira, março 27, 2013

Paul Krugman: Cyprus, Seriously


[Alex Stoddard]

A correspondent whom I respect has (gently) challenged me to say plainly what I think Cyprus should do — leaving aside all questions about political realism. And he’s right: while I think it’s OK to spend most of my time on this blog working within the limits of the politically possible, and relying on a combination of reason and ridicule to push out those limits over time, once in a while I should just flatly state what I would do if given a chance.

So here it is: yes, Cyprus should leave the euro. Now.

The reason is straightforward: staying in the euro means an incredibly severe depression, which will last for many years while Cyprus tries to build a new export sector. Leaving the euro, and letting the new currency fall sharply, would greatly accelerate that rebuilding.

If you look at Cyprus’s trade profile, you see just how much damage the country is about to sustain. This is a highly open economy with just two major exports, banking services and tourism — and one of them just disappeared. This would lead to a severe slump on its own. On top of that, the troika is demanding major new austerity, even though the country supposedly has rough primary (non-interest) budget balance. I wouldn’t be surprised to see a 20 percent fall in real GDP.

What’s the path forward? Cyprus needs to have a tourist boom, plus a rapid growth of other exports — my guess would be agriculture as a driver, although I don’t know much about it. The obvious way to get there is through a large devaluation; yes, in the end this probably does come down to cheap deals that attract lots of British package tours.

Getting to the same point by cutting nominal wages would take much longer and inflict much more human and economic damage.

But is it even possible to leave the euro? The Eichengreen point — that even a hint of exit would cause panicked capital flight and bank runs — is now moot: the banks are closed, and capital is controlled. So if I were dictator, I’d just extend the bank holiday long enough to prepare for the new currency.

OK, what about the bank notes? I’m no kind of expert in such matters, but I’ve heard suggestions to the effect that it might be possible to rush debit cards into circulation, so that business could resume without having to wait for someone to run the printing presses. The government might also be able to issue temporary scrip, IOUs that don’t look like proper bank notes, as a transitional measure.

Yes, it all sounds kind of desperate and improvised. But desperation is appropriate! Otherwise, we’re talking about Greek-level austerity or worse in an economy whose fundamentals, thanks to the implosion of offshore banking, are much worse than Greece’s ever were.

My guess is that none of this will happen, at least not right away, that the country’s leadership will fear the leap into the unknown that would come from euro exit despite the obvious horror of trying to stay in. But as I said, I think euro exit is now the right thing to do.

[Hoje, no espaço The conscience of a liberal, no New York Times]

Sembradores de miedo


[Oleg Oprisco]

Si el formato del rescate de Chipre, con una cuantiosa quita en los depósitos superiores a 100.000 euros, se convierte en modelo general para futuras crisis bancarias en la Unión Europea, es como para inquietarse gravemente por el futuro de la unión monetaria. Que ello está en los planes de los dirigentes comunitarios lo apuntó primero el torpe e incompetente presidente del Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, un individuo que no duda en conculcar las directivas europeas que debe aplicar, por lo que su continuidad supone un peligro para la eurozona. Pero la propia Comisión confirmó que el principio de la inseguridad de los depósitos forma parte de sus borradores para el fondo de resolución bancaria, un organismo clave, junto al de supervisión, para la futura unión bancaria.
La propuesta supone, formulada con carácter general, un error. Es lógico que en caso de quebranto de un banco sus accionistas pierdan todo su capital, y enseguida sus bonistas. Pero incluir sin más a los depósitos en la secuencia de activos responsables carece de sentido jurídico, porque un depósito difiere esencialmente de una inversión. Por eso solo puede someterse al riesgo de pérdida en casos especialísimos, como el de Chipre, pues la cuantía, el tipo de interés con que se remuneraban y otras circunstancias venían a equipararlos entre sí.
También resulta peligroso su impacto económico, pues la expropiación de depósitos, o su sola contemplación, es susceptible de sembrar el pánico y la tormenta financiera en el área del euro. Además, una norma así puede atentar contra la neutralidad debida y distorsiona el mercado, al desviar a los clientes hacia cierto tipo de bancos de determinados países.
El coste de las crisis bancarias debe recaer primero sobre sus responsables y dueños, antes que sobre el contribuyente. Usar la base de pruebas del caso chipriota para colgar ese coste del bolsillo de los depositantes —primero de los modestos y al cabo solo de los más ricos— no solo es imprudente, también es inmoral. Y acudir a este sendero como atajo para diluir la recapitalización directa de bancos, la potencia del fondo europeo de rescate y la ambición de la unión bancaria en ciernes, minimizando la ineludible mutualización de responsabilidades, sería una marcha atrás imperdonable.

Casi como las demás empresas, los bancos han de poder quebrar, desguazarse o recapitalizarse, según convenga en cada caso, y sin predeterminación. De lo contrario, el incentivo a la gestión irregular o disparatada (el riesgo moral) se dispara. De hecho, muchos bancos echan el cierre cada año en muchas partes del mundo, notoriamente en Estados Unidos. Pero a nadie se le ocurre, como al lenguaraz presidente del Eurogrupo, aterrorizar a clientela y mercados. No lo hizo el Gobierno holandés cuando capotaba el ING, ni el alemán cuando inyectó 18.200 millones de euros del contribuyente para salvar al gigantesco Commerzbank.

[Editorial de hoje do El País]

Ricardo Araújo Pereira: Carta aos 19


[Oleg Oprisco]

Caro desempregado,

Em nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de emprego. Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.

Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.

Não estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a tentação de se abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.

Tem calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.

[Hoje, na Visão]


terça-feira, março 26, 2013

O mundo ao contrário


Este homem, Jorge Silva Carvalho, ex-espião, futuro técnico superior da presidência do Conselho de Ministros, é a prova de que neste Governo nenhum amigo se perde, tudo num amigo se recria, e se for preciso até a lei se transforma. Este homem, com mais páginas de histórias mal contadas do que de vida, acaba de ganhar um emprego para a vida num país onde mal há empregos a prazo. E terá direito, ao que parece, a ser ressarcido (de quê?!) retroactivamente desde 2010. Salário pago por nós. E anda meio país a discutir o direito de Sócrates a voltar ao activo ou o salário que a RTP lhe pagará (ou não). Está certo.

Holocausto dos pobres

[Marius Filipoiu]


Não somos a Islândia, onde faliram três bancos de uma assentada só, onde o povo rasgou a Constituição e julgou políticos. Não somos a Irlanda, onde os maus investimentos imobiliários delapidaram a banca. Não somos a Grécia, que parece ter polido as contas para aderir a esse gigantesco bluff que é a União Europeia. Não somos a Espanha, cuja bolha imobiliária também rapou os bancos. Não somos Chipre, um paraíso que Bruxelas descobriu agora ser fiscal. Somos Portugal, triste mas bom aluno, pobre mas bem comportado, grândolado mas triturado. Também não seremos a Estónia.

Somos todos diferentes, mas todos judeus. Nós, islandeses, irlandeses, espanhóis, gregos, portugueses, cipriotas, (estónios?). Somos judeus sem dinheiro para extorquir (tanto, pelo menos), mas igualmente perseguidos pela Alemanha, que já não é nazi, mas continua a expiar os pecados dos povos através de uma espécie de incineração pós moderna. No séc. XX, os alemães exterminaram milhões de pessoas num terrirório que hoje equivale a 35 países europeus. Menos de cem anos depois, ei-la, com o mesmo complexo de superioriadade racial, a repetir a receita, a matar e a sorrir.

O que aconteceu a Chipre diante do olhar impávido de toda a gente foi o mesmo que sucedeu na Solução Final nazi: eliminação, extermínio, genocídio. Estamos a assistir ao início do fim da União Europeia às mãos dos mesmos assassinos de outrora, os alemães.

No dia 17 de Março, o Público publicava uma pergunta em duas páginas: "E se o Holocausto foi pior do que pensamos?" Nesse trabalho, investigadores do Museu do Holocausto em Washington explicavam que até agora conseguiram identificar 42.500 campos de concentração, prisões, ghetos e centros de trabalho forçados criados pelos nazis entre 1933 e 1945. Deborah Lipstad, uma das historiadoras, exclamava ao jornal: "Se alguém me perguntasse quantos destes lugares existiram, eu teria dito sete mil, oito mil, dez mil - quinze mil no máximo. 42.500 é um número que nunca me tinha passado pela cabeça." A verdadeira história do Holocausto está longe de estar toda contada. A da derrocada da União Europeia, mais longe ainda. Entre elas, de comum, só um país, a Alemanha.

Dizer que a resolução para Chipre é justa - há até quem lhe chame moral - porque são em primeiro lugar os accionistas dos bancos os principais punidos e depois os depositantes maiores (101 mil euros é um depositante maior?!) os tolhidos, é uma mentira terrível. Não seria se aquele povo não tivesse a partir de agora de enfrentar a vaga de austeridade que provavelmente o irá matar. Como está a matar-nos a nós. Teresa de Sousa citava hoje, no Público, Nils Pratley, editor financeiro do Guardian: “A Alemanha está a dizer a um país para descobrir outra ocupação”. E quem diz ocupação diz outro lugar no planeta. A Alemanha está a dizer o mesmo a todos os países que está a resgatar, estranho verbo a que urge mudar o significado. Porque resgatar significa salvar e salvar não significa desemprego a disparar, PIB a afundar, dívida pública a piorar.

Quando Angela Merkel diz: "Chipre pode contar com a solidariedade dos outros países europeus para suportar as suas dificuldades ao longo dos anos vindouros", isso soa a sucedâneo do convite alemão aos judeus: "Venham aqui, pequenos pecadores, tomar banho nesta câmara de gás." Quando o ministro das Finanças alemão diz que as críticas à Alemanha se devem à "inveja" dos outros países, percebe-se que a Alemanha não aprendeu nada, nada!, com a História. Aquilo para que não estávamos preparados era para vermos um português, Durão Barroso, aliado de uma Alemanha assassina. Também não estávamos preparados para um Eurogrupo de mentecaptos, é verdade. Mas quando Deborah Lipstad diz que os campos de concentração eram tantos, mas tantos (e ainda não estão todos identificados) que era impossível que houvesse uma só pessoa na Alemanha que não soubesse o que se estava a passar, ficamos imediatamente a pensar no mesmo em relação à Europa e aos seus líderes.  O que está a acontecer é tão escandalosamente óbvio, que é impossível que ninguém antecipe o desfecho da história. E escandalosamente triste que ninguém a trave.

Eventualmente, alguns de nós sobreviverão para um dia contar a verdade.

(Ando com com o Holocausto dos pobres na cabeça há dias a fio, dias a fio a pensar que a Alemanha está a repetir a Solução Final. Hesitei em publicar a comparação, tive medo do exagero, mesmo se é exactamente o que penso. Até que hoje, Viriato Soromenho-Marques fez a mesma exacta comparação no DN. A posição do professor cauciona a minha. Pelo menos, eu sinto-me assim, caucionada. Ou deveria dizer assustada?)

Fica o texto de Soromenho-Marques, notável como sempre e, sim, assustador:

Quando as tropas norte-americanas libertaram os campos de extermínio nas áreas conquistadas às tropas nazis, o general Eisenhower ordenou que as populações civis alemãs das povoações vizinhas fossem obrigadas a visitá-los. Tudo ficou documentado. Vemos civis a vomitarem. Caras chocadas e aturdidas, perante os cadáveres esqueléticos dos judeus que estavam na fila para uma incineração interrompida.

A capacidade dos seres humanos se enganarem a si próprios, no plano moral, é quase tão infinita como a capacidade dos ignorantes viverem alegremente nas suas cavernas povoadas de ilusões e preconceitos. O povo alemão assistiu ao desaparecimento dos seus 600 mil judeus sem dar por isso. Viu desaparecerem os médicos, os advogados, os professores, os músicos, os cineastas, os banqueiros, os comerciantes, os cientistas, viu a hemorragia da autêntica aristocracia intelectual da Alemanha. Mas em 1945, perante as cinzas e os esqueletos dos antigos vizinhos, ficaram chocados e surpreendidos. Em 2013, 500 milhões de europeus foram testemunhas, ao vivo e a cores, de um ataque relâmpago ao Chipre.

Todos vimos um povo sob uma chantagem, violando os mais básicos princípios da segurança jurídica e do estado de direito. Vimos como o governo Merkel obrigou os cipriotas a escolher, usando a pistola do BCE, entre o fuzilamento ou a morte lenta. Nos governos europeus ninguém teve um só gesto de reprovação. A Europa é hoje governada por Quislings e Pétains. A ideia da União Europeia morreu em Chipre. As ruínas da Europa como a conhecemos estão à nossa frente. É apenas uma questão de tempo. Este é o assunto político que temos de discutir em Portugal, se não quisermos um dia corar perante o cadáver do nosso próprio futuro como nação digna e independente.

segunda-feira, março 25, 2013

domingo, março 24, 2013

Paulo Nozolino: Gloom


Paulo Nozolino volta a expôr em Lisboa, desta vez nas novas instalações da Galeria Quadrado Azul. Gloom, que inaugura noo dia 4 de Abril, às 22 horas, é uma mostra formada por dez imagens verticais, a preto e branco, que sintetizam uma série de recentes incursões do artista na Bretanha, a convite do Centre de Art et Recherche GwinZegal.

A palavra "Gloom" define um estado de espírito que pode ser associado à melancolia, à tristeza e mesmo às trevas. As fotografias agora reveladas descrevem um território deixado ao abandono, um projecto inacabado, sem solução possível: é a história interpretada na sua dimensão catastrófica. Espelhos da decadência universal, estas imagens, das quais o humano se ausentou, descrevem o estado de putrefacção que tudo invade: uma montra, uma lareira, um urinol. Reflexão acerca do vazio contemporâneo, a nova exposição de Paulo Nozolino é também um comentário sobre a proliferação de imagens numa sociedade devastada pelo capital.

Galeria Quadrado Azul
Rua Reinaldo Ferreira, 20-A
Lisboa

Manuel Vicent: Estar vivo


[Marius Filipoiu]

A una edad este superviviente había comenzado a dividir su futuro en plazos de tres meses. Sus deseos nunca iban más allá. Concebía la vida como una letra de cambio a 90 días que había que renovar siempre con permiso de la fortuna. Había pasado el invierno sin demasiados quebrantos y habiendo llegado sano y salvo al equinoccio de primavera, este individuo levantó su propio horizonte como si fuera un gran cartel y lo colocó bien visible tres meses más allá colgado del 21 de junio, en el próximo solsticio de verano.

Esta vez una parte del nuevo horizonte era azul, puesto que se veía una playa con palmeras y hamacas donde pasaría las vacaciones. Había sometido su vida a trayectos cortos para poderlos vivir con relativa intensidad. Esta primavera se propuso no agachar la cabeza ante cualquier ignominia; tampoco dejaría de protestar, de maldecir, de manifestarse frente a la villanía de políticos y banqueros; sería uno más entre los indignados que iban detrás de una pancarta; firmaría el panfleto más iconoclasta, revolucionario o nihilista que le presentara el comité de jóvenes airados, pero no estaba dispuesto a que la cólera colectiva le privara de los placeres a los que tenía derecho, porque sabía que mientras los cócteles molotov se estrellaran contra los escaparates y la ciudad ardiera, también estarían floreciendo bajo el fuego las acacias. Se enfrentaba al eterno dilema: luchar a muerte o sobrevivir.

Después de sumarse con furia a la manifestación contra la corrupción y los desahucios, ¿podría tomarse un whisky sin que le atormentara la mala conciencia y ser feliz sin despreciarse? En el horizonte, a tres meses vista, se dibujaban algunas siluetas que le ofrecían motivos para no rendirse. En verano volvería a ver a aquella chica de la bicicleta de la que estaba enamorado. Llegado sano y salvo al solsticio del 21 de junio este superviviente se concedería otros tres meses de plazo.

Antes de vivir con intensidad el verano agarraría el horizonte y colocaría el cartel de su vida en el equinoccio de otoño, con un paisaje de hojas amarillas. Entonces la ciudad seguiría ardiendo, pero a la injusticia se uniría la vendimia y mientras en los viejos odres fermentaba el vino nuevo, él había alcanzado el gran proyecto de estar vivo.

[Hoje, no El País]

sábado, março 23, 2013

Miguel Veiga sobre o actual PSD


"Quem fez o Passos Coelho primeiro-ministro? Uns tipos do piorio, que existem em Portugal. Um é Miguel Relvas, o outro é Marco António. Andaram durante um ano e meio a bater as distritais para angariar votos. A realidade é esta. Quem está no poder é o aparelho [não o PSD], quanto a isso não há dúvida. Encontra algum social-democrata no Governo? Nem um. Estes tipos não têm convicções. Simplesmente não têm uma ética de convicções e, portanto, não têm uma ética de responsabilidade. Querem o poder pelo poder. Estão centralizados, incrustados e vivem num regime de sucessão eterna, quase dinástico, que se torna opressivo e do mais fechado que há. O regime é auto-fágico. Vão-se reproduzindo e é como um panzer. Levam tudo à frente. (...) Vejam o que fizeram à Manuela Ferreira Leite e ao Pacheco Pereira. Todos expurgados, considerados inimigos. Fecharam as portas do partido e ninguém lá entra. (...) Estes que lá estão não são os homens de Estado. São políticos do aviário."

[Hoje, no Expresso]

sexta-feira, março 22, 2013

É isto!


A insuspeitíssima Helena Garrido, hoje, no Elevador do Jornal de Negócios.

quinta-feira, março 21, 2013

Sócrates regressa e o país afunda-se na memória selectiva


O ódio tem melhor memória que o amor. O aforismo de Balzac pode ajudar a explicar por que razão o anúncio do regresso de José Sócrates ao circo mediático incendiou hoje o país que se dividiu entre petições contra e a favor do regresso, com vitória clara para os que o não desejam, mas não chega para explicar a memória selectiva dos portugueses, que é de tal forma selectiva que, lamento dizê-lo, é quase ignorante.

Se Durão Barroso abandonasse a liderança da Comissão Europeia como abandonou a liderança do país e emergisse na estação pública a perorar sobre a crise europeia - e haverá tanto durante tanto tempo para dizer sobre a crise europeia -, alguém levantaria uma unha? Ninguém! E no entanto, como tão bem recordou Fernando Sobral há umas semanas no Jornal de Negócios, Durão Barroso não foi um "homem invisível" no Governo, nem tem as mãos limpas na crise actual. Longe disso. Apesar disso, os portugueses, vá lá saber-se porquê, decidiram absolvê-lo ou retirá-lo da História, como se a história de um país, de sucesso ou fracasso, fosse resultado de governações avulsas e não da continuidade de políticas de sucessivos governos, das quais ninguém neste país nos últimos trinta anos saiu impune. 

Memória selectiva. A maioria das pessoas escolheu rasgar todos os actores políticos e guardar na memória apenas a legislatura e meia de José Sócrates para a poder diabolizar e sobre ela destilar a dor das condições que agora sente. Como se seis anos bastassem para chegarmos onde chegámos. Não é possível branquear a responsabilidade de Sócrates na situação do país, mas convém não branquear o resto também, tudo o que lhe antecedeu e o que agora se lhe sucede. Houve erros antes dele, e há erros agora. Muitos. Querer ver em Sócrates o monopólio de tudo o que correu mal é o pior dos erros.

Além disso - e este é talvez o lado mais hilariante - não se pode branquear que a contratação de Sócrates como comentador político para a RTP passa mais pelo Governo do que pela direcção da RTP. O Governo, podendo estar enganado, acredita que a aparição de Sócrates na televisão lhe será favorável, uma vez que concentrará nele o ódio do país libertando assim o Governo da ira do povo. Tenho muitas dúvidas que Sócrates volte para se enterrar, sobretudo depois da derrocada a que estamos a assistir na União Europeia. Tenho muitas dúvidas que um homem que esteve dois anos a assistir de fora ao empobrecimento do país e ao desnorte da Europa, um homem que sempre disse que não governaria com o FMI, um homem que nunca ninguém poderá dizer o que teria feito se o parlamento tivesse aprovado o PEC IV (queira-se ou não, o PEC IV será sempre uma pedra no sapato), um homem que entretanto viu os bastidores dos últimos meses da legislatura esclarecidos num livrinho pequenino, histórico, épico, insuspeito, porque escrito por gente de direita, chamado "Resgatados", um homem que foi tão enxovalhado e humilhado pelos que prometiam salvar o país e afinal o estão sepultar, tenho muitas dúvidas que este homem volte para se enterrar. Tenho mesmo muitas dúvidas, mas veremos.

Curiosamente, quem mais está com os portugueses que rejeitam Sócrates é o próprio PS, que hoje há-de ter tremido quando ouviu a notícia. Sócrates não volta para colocar em causa a liderança de Seguro, mas a esforço zero mostrará que Seguro é uma nulidade, que é vazio absoluto. Seguro parece um autista, sem ofensa para os autistas, nem ódio suscita, só raiva e pena. Desconfio que, de uma só penada, Sócrates, a quem vaticinaram a eternidade como moribundo político, matará Seguros e Passos. E se isso servir para que novos actores políticos surjam, mesmo dentro do PSD, sobretudo dentro do PSD, que no PS não se vislumbra nada de jeito, então, o regresso já terá valido a pena.

De qualquer forma, neste contexto, discutir o percurso de Sócrates é errar o alvo. Porque o que verdadeiramente surpreende nesta história é que as pessoas que têm enchido as ruas do país, cantando a Grândola e gritando o direito a serem ouvidas, viva a democracia!, sejam provavelmente as mesmas pessoas que agora querem cercear o direito à liberdade de expressão de um ex-primeiro-ministro, por muito mau que o possam ter considerado. E se todos os ex-políticos maus ficassem votados ao silêncio, as televisões estavam bem tramadas para preencher os espaços dedicados à política. Dirão que passaram dois anos, que é pouco tempo de deserto. Qual seria então o tempo correcto? O ódio tem melhor memória que o amor. É pena, porque o ódio turva o raciocínio. E se todos os males do país tivessem origem em Sócrates, como explicar então o que está a acontecer à União Europeia?

Pedro Lomba: A infelicidade dos portugueses

[Oleg Oprisco]

Uma frase de Pedro Ayres Magalhães que li há tempos, escondida numa entrevista de jornal: "As pessoas tratam-se mal e depois dizem que isto é uma merda."

Quando falamos na infelicidade dos portugueses, e agora é uso corrente falar-se na infelicidade dos portugueses como um tema político, devíamos falar mais vezes disto. Quero dizer: devíamos concentrar-nos mais no óbvio e não somente na conversa "científica" que procura justificar o desalento dos portugueses com condições externas, quase sempre socio-económicas, que cada um deles não pode controlar.

Há hoje, por toda a parte, uma indústria cultural e académica em torno da ideia de felicidade. A felicidade começou a ser estudada por psicólogos, economistas, neurocientistas, politólogos. Não estou a pensar em manuais de auto-ajuda mas em estudos, livros, testes que procuram perceber o que conduz e não conduz à felicidade. Vivemos tempos positivistas. Claro que ninguém se entende sobre o que a palavra significa. Há fórmulas que medem a felicidade de povos inteiros e perguntas nos inquéritos de opinião sobre felicidade, bem-estar e satisfação dos cidadãos.

Muitos desses estudos sobre a felicidade, os que conheço, são admiráveis em isolar correlações, efeitos, experiências. Podem convencer-nos. Mas muitos são também, paradoxalmente, um entrave à própria ideia de felicidade entendida como procura. Vulgarizados em livros cada vez mais acessíveis ao grande público, estes estudos oferecem um caminho fácil para justificarmos os nossos medos e incapacidades. Habituamo-nos à infelicidade e às suas causas exteriores. Passamos a conhecê-las, mas não a combatê-las. Com isso vão-nos afastando da convicção de que os obstáculos à felicidade não passam só pelos outros, pelas decisões políticas ou pelo Estado. Passam também por nós mesmos. Ou dito de outra forma: passam pela procura da felicidade.

Esta procura da felicidade, que conhecemos da Declaração de Independência dos Estados Unidos, é no fundo o que sustenta o melhorismo das nossas sociedades. Todos nós, pobres ou ricos, queremos melhorar a nossa condição. Melhorar o que fazemos, o que temos, o que somos. As pessoas tratam-se mal e depois dizem que o país não presta. Os prédios estão sujos, mas os condomínios não funcionam. As escolas são más, mas os pais esquecem-se de lá aparecer. Os jornais são criticados, mas poucos lêem e poucos protestam. As universidades parecem conventos, mas ninguém se lembrou de contribuir para que não fossem. Desistimos de melhorar.

Sim, vamos admitir que a infelicidade crescente dos portugueses é uma questão política. Na origem dessa infelicidade estão causas económicas: baixos salários, desemprego, trabalhos precários, má gestão, empobrecimento, ausência de expectativas, desconfiança e mais desconfiança. Tudo isto depende de aspectos políticos que nenhum de nós controla. Mas não é só por isso que a infelicidade dos portugueses pode ser vista como uma questão política.

As sociedades liberais, ou sociedades de liberdade como nos prezamos de ser, precisam de cidadãos satisfeitos, de cidadãos felizes, porque apostam na sua coragem e desprendimento para procurarem a felicidade e melhorarem a sua condição. São sociedades que sabem usar a infelicidade, sem medo e sem inacção. Precisamente o melhorismo.

[Hoje, no Público]

Marius Filipoiu


É romeno e é uma perdição.
Ver mais, aqui: http://www.defelipe.ro/

quarta-feira, março 20, 2013

José Eduardo Martins: E tudo Chipre levou


[Marius Filipoiu]

Pela calada da noite, ficámos a saber o que se segue. Como não somos capazes de partilhar o problema das dívidas soberanas, como ninguém quer assumir, colectivamente, um plano de fomento e o pagamento faseado das obrigações para aliviar meia Europa do desvario dos seus chefes, a opção foi misturar crueldade e estupidez.

Bulas mais simples de oferecer aos fracos, como a História tão bem demonstra. Os Cipriotas, homens e mulheres da união como nós, membros do Euro como nós, ficaram do dia para a noite, feudalmente, sem um dízimo do que tinham juntado. Sem aviso, nem defesa, nem opinião. Porque sim. Porque vale tudo. O resultado da decisão brilhante que os vitimou foi o justificado pânico de quem se ia acalmar e o pior momento da crise europeia.

A semana passada, no fim da sétima avaliação, ficámos todos a perguntar que diabo se seguiria... No sábado à noite, a Europa respondeu. Deu o passo que faltava na quebra definitiva de confiança entre governantes e povo. Ao fim-de-semana, a desoras, ficámos a saber que a democracia liberal não respeita a propriedade.

Por cá, entretanto, o ministro das Finanças explicou, sem conceder, que os objectivos do contrato de mútuo, o programa da troika, negociado pelo PS e assumido com tanto entusiasmo pelo PSD, falharam. Este programa, que nos retirou capacidade de decidir como fazer, tinha por base a ideia que o cumprimento dos critérios de Maastricht – a estabilização do défice e da dívida pública – eram, agora, cruciais para suscitar nova confiança dos credores, o retorno da soberania e a manutenção de um relativo bem-estar.

Quase dois anos depois, já não é preciso prever ou especular. Os factos, os números, enfim, a realidade chocou de frente connosco. A dívida pública está pior do que no início do programa. 

Para o défice, a "vitória" desta sétima avaliação foi... confessar que não conseguimos... Pelo caminho, em dois meses, as previsões do ministro passaram de muito negras a muito piores. O PIB vai recuar mais que o dobro do que Gaspar se tinha convencido há dois meses. O desemprego vai atingir níveis dantescos, muito além do purgatório que se antecipava. O ajustamento, diz o ministro das Finanças, é para décadas…Enquanto, nas entrevistas, a Sra. Lagarde e o presidente do Eurogrupo tecem loas ao crescimento e prometem dar folga à austeridade, em Lisboa os seus representantes apertam-nos o cilício e seguem pela cartilha de sempre: espremer os "pecadores" que se deixam apanhar.

Os crentes em causa assistem, pasmados, ao esbracejar de um governo de três forças, o par do leme, o partido do contra e os ministros órfãos que se juntam ao partido do contra na confissão de que a solução corte na despesa – que nos ia aliviar a carga fiscal - nos tempos e montantes anunciados é… impossível. 

No fundo, decidiram concordar, à socapa, com o aviso de muitos, como a anterior líder do PSD: em recessão o ajustamento à bruta é uma máquina de empobrecimento sem travões. Os partidos do governo e os funcionários dos credores, como sempre acontece no fim das grandes paixões, trocam acusações em público e de positivo sobra, apenas, a atitude da oposição. Face à confusão, desapareceu para não acrescentar ruído e foi, nisso mesmo, bem-sucedida.

Os incautos, como eu, acordaram sábado à espera que a resposta viesse de fora. Afinal de contas, faltam poucos meses para as eleições alemãs... Acabou por chegar. Em forma de pontapé. Churchill dizia que o apaziguador dá de comer ao crocodilo na esperança de ser comido por último… Os Cipriotas foram só os primeiros a ser engolidos. 

[Hoje, Jornal de Negócios]

segunda-feira, março 18, 2013

Paulo Varela Gomes: O Verão de 2012


"... a felicidade é sempre possível, desde que não haja fome, frio e doença, não são precisos centros comerciais em aeroportos, frigoríficos, panos de esfregar o chão embrulhados em plástico e com um etiqueta no preço, enxadas polidas até ao brilho e expostas numa prateleira como se fossem um brinquedo. O que sucedeu foi que, perante a profusão de sinais exteriores de felicidade comercial ou capitalista, ficámos inaptos para interpretar outras felicidades, a do silêncio, da inteligência, da simplicidade de vida, da entreajuda, da falta de pressa, do convívio com as crianças e os bichos.

(...) O voto, a liberdade de palavra ou de propaganda são o pão que se dá aos imbecis mergulhados até ao inconsciente na atmosfera falsificada do circo. Qualquer camponês medieval controlava melhor a sua vida do que um eleitor contemporâneo, convencido de que é livre, obrigado e obrigando-se pela força da ideologia a escolher sempre o mesmo género de governantes, a entreter-se com a sua comédia de fingimentos."

[Li algures que em Janeiro de 2013, data de edição deste livro, estava escolhido o livro português do ano, e é bem capaz de ser verdade.]

domingo, março 17, 2013

Quando a memória não dói


Todas as histórias de amor são poalhas de ouro, intransmissíveis, impublicáveis, únicas, raras, especiais, e por isso mais bonitas que as histórias de amor dos outros. Nós achamos isto. Os outros obviamente também. Nos Beach House, música e amor coincidem, são sinónimos. Quando se fala da banda de Baltimore é de amor que está a falar-se. De amor em socalcos.

A história é antiga. Em Portugal, há sempre um de dois lugares onde uma história de amor pode nascer: em Coura, no festival; ou no Passos Manuel, no Porto. Os Beach House estrearam-se, como tantos e tantos, no Passos, em 2008, quando lançaram o segundo álbum 'Devotion'. Não estávamos lá, mesmo se em 2008 não saíamos de lá. Como não estávamos lá?! Bem, não estávamos.

Para nós, o caso tem três anos. Três anos, entre o desejo e a derrota, a sedução e o sangue do sonho, podem ser uma vida inteira. Começa em 2010, logo no início, quando uma voz que não era limpa nem rouca, nem grave nem aguda, uma voz que parecia ter pelo menos duas décadas de atraso, soprava numa canção de embalo: “You would slip from my mind in a matter of time”. A canção era um passeio no parque e soava a ameaça, mesmo se desenhada a pincel. Seria? Era. O início, ainda desconhecido, de uma história de amor. Não nos apaixonámos logo. Ficámos só com a sensação de que poderíamos apaixonar-nos se a voltássemos a ouvir. Não a procurámos, mas voltámos a ouvi-la. Por acaso. Rendemo-nos, claro, como quem recupera a inocência. Como quando tropeçamos num estranho e ficamos com a intrépida certeza de que se o voltarmos a ver tombaremos por ele. Foi assim.

Reconhecemos a voz de Victoria Legrand no Meco, num dia ao final da tarde, na hora dos mágicos cansaços, como no poema de Espanca. Nem sequer sabíamos quem ela era ou que estaria ali. Não sabíamos que ela era aquela que nos tinha avisado: You know, you know, we belong by the stream to the dawn, a que nos tinha enviado frases soltas, ao acaso, que se nos tinham alojado na cabeça como balas. Estávamos no parque, ao telefone, quando a reconhecemos ao longe. Era ela, aquela voz. Desligámos, entrámos no recinto a correr, como se corre para um amor que se não pode evitar ou perder. Aquele concerto foi um abraço apertado, doce, mágico, incandescido, comovido. Legrand, estacionada nos anos 80 (sempre havia duas décadas de atraso), blazer dois tamanhos acima, dobrado nas mangas, caracóis a esconderem-lhe o rosto, a voz como um íman a subir ao céu, dizia-nos que a alma é de prata, o coração de diamante, que há biliões de estrelas a abrirem-nos caminho, que é possível esquecer o amor que não queríamos deixar para trás e, mesmo se falhou, recordar as noites em que tudo corria ainda bem, juntar os cacos do coração e continuar.

O álbum era Teen Dream, o terceiro da banda, e tudo nele era um amor a morrer quando tinha acabado de nascer, um amor a arder na impossibilidade. Tudo nele era prenúncio de dor, da contradição de um amor sem fim, mas sem o qual teríamos de aprender a viver. Mas ela dizia que íamos superar e nós acreditámos. Saímos de lá em paz, a sorrir, abençoados nas asas daquele voo.

O que mais impressiona no passado recente dos Beach House é que Teen Dream e Bloom, editado em 2012, funcionam como dois volumes do mesmo romance. O primeiro, que era na verdade o terceiro, era uma espécie de broken heart syndrome; o segundo, que é o quarto, soa a dreambeat songs, mesmo se os dois continuam a falar de solidão, de ausência. Legrand talvez não seja propriamente uma sábia, nem um génio, a música que faz não é coisa nunca ouvida, mas não nos enganou. E mesmo se agora anuncia na maravilhosa Wishes que vai falar de um momento em que a memória dói, a verdade é que a memória já não dói. O vento não apagou o lume, mas poliu o fogo. Still wanna stay.

Reeencontrámo-la no Porto, em 2012, no Primavera Sound, numa tenda onde não cabia uma agulha. No Verão do ano passado, os Beach House já não eram um segredo, no limite eram um segredo dito aos gritos numa sala muda - toda a gente ouviu, toda a gente queria ouvi-los. A tensão aniquilou qualquer memória que pudéssemos guardar dessa noite. Por isso, voltámos hoje ao Hard Club, para a ressurreição do Meco, para reavivar o momento em que nos apaixonámos. Tanto!  Lá estava Legrand, vestida com bola de espelhos, sonhadora e sombria, pouco faladora (excepto para um improvável desafio: "Let's go to be rude?"), gestos quase lânguidos de tão melancólicos, a lembrar-nos o Verão quente em que o coração disparou. Ela ali a luzir num jogo de sombras e cordas como numa harpa em forma de labirinto. E a mostrar que Bloom nada fica a dever a Teen Dream. Completa-o, é a parte que faltava para o final feliz, a parte em que a ferida sarou. Já não há fantasmas, só o prometido céu estrelado em noite de Verão. Primeiro, ela suplicava, "não, tu não podes ir embora". Agora, sussurra: "tu estás aqui, nós ainda estamos aqui". E diz que não há mistério nenhum nisso, é só um paraíso estranho. Há sentimentos que podem mesmo durar para sempre. E nós voltámos a acreditar. Forever still. 

Hoje, no Hard Club, Porto



One in your life
It happens once and rarely twice

Let the bed sheet soak up my tears



Please put me to bed
And turn down the light
Fold down your hands
Give me a sigh
Put down your lies
Lay down next to me
Don't listen when I scream
Bury your doubts and fall asleep
Find out I was just a bad dream
Let the bed sheet soak up my tears
And watch the only way out disappear
Don't tell me why
Kiss me goodbye
For neither ever, nor never
Goodbye

sábado, março 16, 2013

Oleg Oprisco


Tem 25 anos, é ucraniano e faz isto. E isto é poesia.
Portfolio, aqui: http://www.oprisco.com/

Empresta-me os teus olhos uma vez...



... que os meus não são de gente
apenas rapaz
é só o tempo de me aperceber
da visão que se turva
para ser de mulher

Empresta-me uma chávena de sal
E mostra-me a receita do caldo lacrimal
é só o tempo de te convencer
que nem precipitado consigo chover
Não é um adágio que nos persegue
que um homem só não chora
porque não consegue

Empresta-me esse efeminado luto
Ser masculino é ter-se o lenço enxuto
É só o tempo de me maquilhar
De pranto transparente
A cor de mulher
Não nasci pedra
Nasci rapaz
Que um homem só não chora
porque não ser capaz

Os homens fazem fogo
com dois paus eles fazem fogo
Por troca, ensino-te a queimar

Tu és corrente
e eu finjo mar
que um homem para que chore
não pode chorar