terça-feira, fevereiro 28, 2006

Carnaval

Não gosto do Carnaval - nunca gostei -, o que não quer dizer que não entenda a necessidade que as crianças têm de folia e de mostrar os seus disfarces. Numa rapidíssima passagem pela baixa do Porto vi um Mozart, uma Joaninha, vários super heróis, as fadas habituais e muitos, muitos Noddys. O Noddy é claramente o rei do Carnaval infantil deste ano. Ao mesmo tempo, vi o desconforto dos pais a quererem levar as suas crias a algum lugar e a não o encontrar. Vi-os a fotografarem os filhos no cenário das obras dos Aliados. Vi-os a passar em frente às crianças, devagar, para que elas pudessem gastar os confetti e as serpentinas. Vi-os, mais ou menos perdidos, sem saber o que fazer para que os seus pequenos herdeiros pudessem sentir uma alegria que é justa e que lhes é devida. E fiquei a pensar se o departamento da Animação da Cidade, responsabilidade da Culturporto, que por sua vez pertence à Câmara Municipal, não tem sequer dinheiro ou criatividade ou vontade para coisas tão simples como esta: definir uma praça com música onde os miúdos pudessem reunir-se.

domingo, fevereiro 26, 2006

Livros frescos

"Apresentação da Noite",
Al Berto, Assírio & Alvim, 2006

"Apenas preciso de alguém que me sorria e reponha o mesmo disco sempre a tocar/ e escute comigo o vento nas janelas e sinta a tristeza que têm os gladíolos murchando em cima da mesa". (Pág. 35)

"Do grande e do pequeno amor",
Inês Pedrosa (texto) e Jorge Colombo (fotografia), Dom Quixote, 2006

"- Achas que ainda teremos medo de viver juntos daqui a vinte anos?"
"- Não sei. Sei que nos arrependeremos se não tentarmos. Mas não consigo perder o medo."
"- Não tens de perder o medo. O medo faz parte do que somos os dois."
"- Nunca te esqueces de mim quando tens prazer com outras pessoas?"
"- Não, e aí está uma coisa difícil de te perdoar."
(Pág. 77)

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Debate da nação

Custa-me ver Francisco Assis ali na televisão. Custa-me vê-lo no "Debate da nação" e não o ver no Porto onde prometeu ficar vigilante, cumprindo o seu dever na oposição. Custa-me que ele não perceba que um político que não cumpre as suas próprias promessas, não tem qualquer credibilidade quando, publicamente, tenta defender as promessas feitas pelos outros. E, convenhamos, Sócrates nem sequer precisa que o defendam.

Matosinhos 1 - Porto 0

Enquanto a Câmara Municipal do Porto continua a fingir que a cultura é um devaneio de meia dúzia de mentecaptos para outra meia dúzia de pessoas que porventura não terá o que fazer, a Câmara de Matosinhos marca pontos. Muitos. A começar pelo facto de passar a possuir uma fatia do espólio de Serralves e outra do Centro Português de Fotografia, passando pelo Museu Nacional de Arquitectura para o qual já tem financiamento, terreno e projecto, culminando no orçamento. A autarquia de Matosinhos não tem medo de, em tempo de crise, investir 3,5% do seu orçamento em cultura. Sabe que a cultura é um motor dinamizador fundamental. E sabe que é a cultura que prevalece como elemento de identificação de uma geração. E no Porto? Qual é o orçamento? E o programa? E a estratégia? Alguém sabe?

Frida Kahlo no CCB



Simplesmente, Frida Kahlo (1907-1954) . Até 21 de Maio no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Minutos que sobram


(Fotografia: José Miguel Gaspar)
Há dias assim em que se sente necessidade de apalpar o que existe de bom nos dias maus. E perceber qual é o denominador comum que povoa todos esses dias em que as horas não passam e os minutos parecem esconder-se dentro deles próprios estancando o tempo. Falo dos dias que têm que continuar a ser forçosamente maus porque não podemos levantar-nos da cadeira e mandar tudo à fava. E descobri! São duas coisas. Apenas duas coisas atenuam o tédio dos meus dias maiores, na impossibilidade de ir embora passear na praia, mãos noutras mãos ou mãos num livro. Ou pintar, ou dormir, ou dançar, ou fazer qualquer coisa que não seja a fazer de conta.
As coisas boas têm que ser partilhadas. Não precisam agradecer. A primeira, entregue ao domicílio por um amiguinho do rock, chama-se Pandora. É uma estacção de música ao nosso inteiro dispor. Pedimos o disco, o artista ou a canção e ela vai por ali fora, sozinha, a satisfazer-nos os caprichos. De borla! Nem vou falar das vantagens de ter a alma protegida por phones e alheada do mundo. Isso é outro assunto. A segunda, gentimente confessada por um amiguinho 'red', chama-se "O fim do mundo em cuecas". Isso mesmo, e é o blogue - escrito por uma das pessoas mais inteligentes que conheço -, com o árduo dom de temperar o meu humor.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Túnel de Ceuta - a sequela


(Fotografia: Visão)

Eu não disse que aquilo era um thriller?! Se era, como agora se verifica, não seria justo que o the end fosse tão pouco empolgante, com os protagonistas de mãos dadas e aparentemente felizes, como se aquilo não passasse afinal de uma comédia quase romântica. O realizador (divino?) fez-nos a vontade e Rui Rio, para gáudio das audiências - e do próprio!!! -, foi hoje novamente contratado para um papel no filme "Túnel de Ceuta". Desta vez, será arguido. Está assim assegurada a produção da sequela - um ano depois da estreia de uma das mais controversas películas portuenses.
Ao que tudo indica, o personagem principal deverá manter-se fiel ao perfil inicial. Ou seja, o de calimero. Daí a felicidade quando lhe disseram que, desta vez, poderia mesmo ser preso... No final, já se sabe, não acontecerá nada. Mas até lá, temos filme!

Ano da ressurreição

Este ano promete. Em 2006 vamos assistir à ressurreição política de Paulo Portas, provavelmente de Nuno Cardoso, quiçá do próprio Santana Lopes. Há menos de um mês Clara Ferreira Alves afirmou publicamente que Santana é o político português mais parecido com Mário Soares. "Tem uma ambição superior à sua consistência, mas é um sábio político". Disse isto assim, sem qualquer pudor. E isto é só o início...

Friendship


Pela primeira vez desde que me tornei numa dessas criaturas independentes, que vivem do seu próprio salário, dou comigo com esta sensação esfusiante que é ter no local da labuta diária um amigo. Um amigo de verdade. Daqueles que vêm dos tempos em que ainda nem era maior de idade. Daqueles que nos fazem tremendamente felizes só por existirem. Daqueles que conhecem de cor os nossos defeitos e gostam de nós assim, na nossa imensa imperfeição. Desafiam-nos em privado, mas protegem-nos em público. E a sensação, que sempre imaginei que seria boa, é ainda muito melhor. Pela primeira vez sinto-me em casa. E dou comigo a pensar como seria trabalhar só com amigos. Com pessoas que seriam absolutamente incapazes de nos atropelar e com quem o entendimento chega antes das próprias palavras. Continuo, por isso, a não entender porque razão as pessoas que mandam separam as pessoas que gostam verdadeiramente umas das outras. A competência tem alguma coisa a ver com o amor?

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Pedro Burmester - dia 1

(Fotografia: Pedro Correia)
Pedro Burmester regressou, finalmente, a Casa. Por muitas vezes que tenha sido dito e escrito, nunca é demais lembrar que a Casa, que se supõe ser de todas as músicas, só existe porque ele a pensou. Foi ele - não foi a Teresa Lago, nem o Rui Amaral, nem o Alves Monteiro, nem o Couto dos Santos. Não foi o Carrilho (apesar do simpático empurrão), nem o Santos Silva - o Artur e o Augusto -, nem o Sasportes, nem o Roseta, nem a Bustorff, nem a Pires de Lima. Não foi, definitivamente, Rui Rio, nem sequer Fernando Gomes. Nem, apesar de tudo, Manuela de Melo ou Marcelo Mendes Pinto. Todos, nos seus diferentes papéis de administradores ou fundadores ou autarcas ou ministros ou vereadores da cultura, opinaram e espernearam. Mas não foi nenhum deles que a pensou; foi Pedro Burmester. E pensar consistentemente uma estrutura daquelas, com todas as ramificações que entretanto adquiriu, não é um feito pequeno. Esperemos que, desta vez, o deixem trabalhar. De uma vez por todas. E que hoje seja o primeiro dia do resto da vida de uma Casa da Música séria e de excepção.
P.S.: Convém recordar Suzana Ralha e Fausto Neves que, não tendo pensado a Casa da Música, nem fazendo já parte da equipa, desevolveram alguns dos projectos mais notáveis a que assisti nesta cidade.

domingo, fevereiro 19, 2006

Memória

(Fotografia: José Miguel Gaspar)


Nem vale a pena disfarçar, os dias de chuva são melancólicos, taciturnos, preguiçosos. É impossível ouvir qualquer música que não seja triste, que não esfaqueie o coração. É impossível não abrir a janela para deixar entrar o frio e o cheiro da terra molhada. E o odor do sopro que entra é como o jogo imprevisível de uma roleta que nos obriga sempre a estacionar num capítulo qualquer armazenado na memória. Essa memória que nos ressuscita e dilacera ao mesmo tempo.
O sopro desta chuva estacionou em ti. Se calhar porque costumavas dizer que eras feliz mesmo que chovesse, sobretudo se chovesse. E ficavas feliz quando chovia. Abrigavas-me dentro do teu casaco e guiavas-me no meio de uma gargalhada. Bebíamos como doidos, dançávamos até ser dia. Contigo os dias de chuva nunca eram tristes. Uma vez disseste que quando nos conhecemos pensaste imediatamente em todas as pessoas que me fariam sorrir ao longo da vida. Talvez por isso, de cada vez que alguém me faz sorrir, penso invariavelmente em ti. Por isso, e porque deixamos de sorrir juntos. Perdemo-nos de vista. Habituámo-nos ao silêncio.
Dizias que éramos diferentes porque temos sardas. Inventavas provérbios sobre isso. "Se uma pessoa tiver sardas nunca vai separar-se de outra que também as tenha". Dizias que éramos como o Robin e a Marion, apesar de não vivermos na floresta. E que dali a 400 anos ainda seríamos recordados. Acabamos os dois a acreditar. Selamos a crença com um cachecol. Tanto quanto me lembro é um ritual de eternidade usado na Índia. Pelo menos, foi o que me disseste. Acabamos os dois a não cumprir. E a música que sempre me cantaste - "You never close your eyes anymore when i kiss your lips/And there's no tenderness like before in your finger tips/ You're trying hard not to show it/ But, baby, i know that" -, passou a ter um significado que nunca lhe tínhamos dado.
Éramos sobretudo amigos. De verdade e de coração. Eu dizia que eras a minha melhor amiga, porque não sabia fazer nada sem ti e tudo o que fazia contigo era perfeito. Nunca tinha medo. E nunca se agradece sufucientemente a alguém que nos faz deixar de ter medo. Tu dizias que eu era o teu James Dean por causa de um documentário: "Se ele entrasse na sua vida, ela nunca mais seria a mesma". A memória devia ser uma sala fechada onde nunca é possível ir. Mesmo em dias de chuva. Sobretudo em dias de chuva.

sábado, fevereiro 18, 2006

Pedro Eiras


Tropecei em Pedro Eiras pela primeira vez, em 2001, na estreia da peça "Antes dos Lagartos", prodigiosamente encenada por Nuno Cardoso. Depois, sempre rendida, fui esbarrando em textos dele publicados aqui e ali. A peça "Um forte cheiro a maçã" já merecia ter sido transportada para um palco. Agora acaba de ser editada pela Campo das Letras a sua tese de doutoramento sobre a fragmentação do sujeito em Raul Brandão, Fernando Pessoa, Herberto Helder e Maria Gabriel Llansol. Chama-se "Esquecer Fausto".
Não é apenas por Raul Brandão - o meu escritor de eleição de sempre - fazer parte do rol da análise académica que o livro é bom. É bom pela perspectiva em que coloca os autores e os relaciona uns com os outros. É bom pela leitura que sugere do discurso. São 757 páginas e, obviamente, ainda não cheguei ao fim. Mas é bom também por isso: lê-se como se não fosse uma tese.

Para quem leu Húmus, de Raul Brandão, aqui fica um aperitivo: "Numa lógica dual, Húmus descreve jogadores que, mergulhados num quotidiano estagnado, não sabem festejar a morte de Deus. A metanarrativa não morre nem vive, sobrevive morta."

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Rui Rio na Sic

Rui Rio esteve hoje em directo no Jornal da Tarde da Sic a lamentar o facto de não ter sido recebido pela Rede de Alta Velocidade (RAVE), enquanto presidente da Junta Metropolitana do Porto, para discutir o projecto do TGV. Até aqui, tudo bem.
Beneficiando da presença do presidente da Câmara em estúdio, Clara de Sousa aproveitou para esclarecer duas questões laterais consideradas importantes para a cidade: as consequências das obras no mercado do Bolhão e o desfecho do thriller Túnel de Ceuta. Aparentemente, tudo bem também.
Intriga-me, no entanto, que a jornalista não tenha colocado uma questão, igualmente importante, sobre a Casa da Música, da qual a autarquia é accionista. Sobretudo depois da entrevista de Pedro Burmester - a primeira como director artístico e de educação do equipamento -, ao Jornal de Notícias.

É verdade que não sou propriamente uma dessas pessoas para quem pedir desculpa é uma tarefa fácil. Não sei se isso faz de mim uma pessoa pior, mas sei que faz de mim alguém capaz de reconhecer claramente essa nobreza de carácter nos outros - excepto quando o exercício me levanta mais dúvidas do que concertações. E o pedido de desculpas público de Pedro Burmester a Rui Rio não me convenceu. Antes de tudo, porque tenho dúvidas de que haja alguma coisa sobre a qual pedir desculpa. Pedir só por pedir não me parece nada bem. Pedir só para atenuar a ira de alguém parece-me ainda pior. Parece-me, aliás, uma forma de a sustentar e de levantar um perigoso precedente. Pedir desculpa como "moeda de troca" seja do que for pode ser muita coisa - mas nunca será um acordo de cavalheiros.
Intriga-me tanto que Rui Rio não tenha aceite, ou não, também publicamente - já agora, seria justo...-, as desculpas do pianista, como me intriga o facto de o autarca, depois da longa batalha com Isabel Pires de Lima - com direito a out-door e tudo -, não tenha manifestado efusivamente a sua vitória. E foi uma vitória. Clara.

Há demasiados comportamentos esquizofrénicos e demasiados silêncios por esclarecer no reino portuense. Serão os segredos guardados a cadeado num almoço com o conciliador António Costa? Mesmo que sejam esses, não auguram nada de bom. Entre o segredo-alma-do-negócio e a verdade doa-a-quem-doer, prefiro sempre a última. No caso da Casa da Música espero estar enganada. Veremos até onde aguentam os estômagos.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

No respect

"Quando os que mandam perdem a vergonha; os que obedecem perdem o respeito". Palavras sábias proferidas, em tempos, por um cardeal qualquer (Retz, acho) sobre um salazarista chamado Marcelo Caetano. É assustador pensar que tanto tempo depois do Estado Novo, a frase continua a fazer tanto sentido. Os regimes autoritários não acabaram em Portugal. Estão aqui à distância de um sopro. O que sobra quando acaba o respeito?

sábado, fevereiro 11, 2006

Conversa alheia

"A menina é paulista?", pergunta o cliente, sexagenário inofensivo. "Não, baiana", responde a empregada do Guarany, olhos escuros em pele torrada, ao mesmo tempo que distribui pela mesa as entradas para o almoço. "Porque é que gosta sempre de meter conversa com as pessoas? Já da última vez, no Cafeína, meteu conversa com aquela rapariga da Rússia...", ironiza o amigo, metade da idade, sentado à frente dele. O homem sorri. "Porque se não falar com as pessoas sufoco. Morro. As pessoas existem para falarmos com elas".

ShopGirl


Não é o filme do ano. E não, realmente não é o "Lost in Translation". Entrou, discreto, nas salas de cinema; saiu rapidamente com a mesma discrição. Não é suficientemente denso para figurar nas obras de minorias, nem suficientemente vazio para ser uma comédia romântica, apesar de estar catalogado abaixo disso e, em alguns momentos, aparentar ser apenas isso. Steve Martin (realizador, argumentista e protagonista num só) também não é Bill Murray (deveria ser?). E o final, ao contrário do que está escrito nas críticas dos críticos, não é feliz. Não é feliz, porque não pode ser feliz a rapariga (Claire Danes) que opta pelo homem que a ama (Jason Schwartzman) e não pelo homem que ela ama (Steve Martin, himself). Aliás, não chega a ser uma opção; é uma solução de recurso. "Aprendi que as relações com baixa densidade têm vantagens", diz ela, a Mirabelle, no fim. É a desistência do amor.
E não é só ela, a vendedora de luvas quase adolescente que aspira a ser reconhecida pelos seus desenhos, que desiste. A incapacidade de amar é também uma desistência. E Ray Porter, divorciado e bem sucedido empresário de meia-idade, não tem esse dom. Ou, se alguma vez o teve, perdeu-o.
Reduzir o filme de Steve Martin (mesmo reconhecendo que será um filme-terapia para o próprio) a uma história pobre e previsível é injusto. Previsível poderia ser Mirabelle encantar-se com o espírito rebelde do jovem músico Jeremy, com quem acaba por ficar, e desprezar o perfil envelhecido de Porter. Ou então, conseguir converter Porter a uma vida monogâmica. Não é isso que acontece: Ray Porter encanta-se, mas não se entrega. Mirabelle apaixona-se, mas aceita a rejeição quando exige exclusividade. É a vida tal como ela é. E a vida nem sempre é previsível.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

No ar a 23 de Junho

Al Berto

A propósito de 'Brokeback Mountain' lembrei-me de Al Berto. E do Lunário, escrito em 1988, em S. Pedro de Moel - um daqueles livros a que volto sempre.
"Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge."
É a história de amor entre dois homens.

O segredo de Brokeback Mountain

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Cultura no Porto

Ainda deverá haver quem pense que está tudo bem no universo da cultura no Porto. Quem pense que é normal o vereador da Cultura ser um bancário cujo nome desconfio que ninguém conhece - nem o nome, nem o rasto; quem pense que é normal Rui Rio estar a promover, como se fosse uma absoluta novidade, uma Festa na Baixa que - boa ou má -, já foi feita, pelo menos, duas vezes; quem pense que é normal que o Teatro Municipal do Rivoli, sustentado pela Culturporto, não tenha um único tostão para programação; quem pense que é normal a Casa das Artes continuar a apodrecer sem ter qualquer uso. Nada disto é normal. E na semana em que a cinemateca portuguesa, em Lisboa, está a exibir um ciclo do cineasta canadiano, David Cronenberg, toda esta anormalidade parece, e é mais dolorosa.

domingo, fevereiro 05, 2006

O homem do piano, capítulo 7319

Burmester à presidência, já! Seja lá do que for! O homem do piano é demasiado perigoso para andar à solta ou ser contrariado!
1) Para começar, é um delegado político do Governo. E todos sabemos como o jovem Sócrates tem mau feitio quando mordem os calcanhares do seu séquito;
2) Depois, esteve vários anos na Casa da Música (o último dos quais como consultor de programação) e nem um esqueleto da programação de abertura deixou feito - isto, apesar do seu sucessor, o digníssimo Anthony Withworth-Jones ter confessado, múltiplas vezes, ter-se inspirado vagamente no esboço do antecessor. Mas os britânicos, enfim, são tontos e muito generosos!
3) Além disso, o homem do piano, que inventou em tempos uma coisa chamada Serviço Educativo e que, por acaso, fez com que pessoas que nunca imaginaram ouvir e perceber ópera a ouvissem, a percebessem e, mais do que isso, a integrassem e se apaixonassem por ela, não tem qualquer competência para a área da educação.
4) Mais: o homem do piano, tendo sido banido da Casa da Música (Casa que, também por um mero acaso e, quem sabe!, por obra e graça do Espírito Santo, idealizou e estruturou ao pormenor), continua à distância a controlá-la, a influenciar maquiavelicamente a sua organização.
5) Mais importante ainda: o homem do piano manipula o próprio Presidente da República (ex-presidente daqui a alguns dias) para que rediga discursos públicos em benefício da sua imagem.
6) Exerce forte ascendente sobre o próprio Governo e o Conselho de Administração da Casa da Música a ponto de lhes exigir que o nomeiem director artístico.
7) Gravíssimo, o homem do piano diz mal dos seus colegas, acusa-os de desvirtuarem o projecto, dá mesmo a entender - malvado! -, que o projecto é dele.
8) O homem do piano, que só pode estar louco, chegou mesmo a insultar o igualmente digníssimo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, acusando-o de só querer polícias na cidade. Mentir é feio, e todos sabemos como isto é uma calúnia.
9) Finalmente, o homem do piano usurpou uma indemnização quando saiu, vítima de perseguição política, da Casa da Música, e agora quer regressar. Quer regressar quando nem sequer possui as qualidades de "high profile" que se exigem a um director artístico.
O homem do piano, desprovido de qualquer qualidade, é um homem perigoso. E ninguém parece ter coragem para o prender.
Tudo isto - e tudo isto é triste -, ficamos nós a saber, ontem, na entrevista concedida ao Expresso pelo engenheiro Couto dos Santos. Foi o seu grito de guerra depois de um mandato de 16 meses em que se contam pelos dedos de uma mão as vezes em que o ex-presidente do Conselho de Administração abriu a boca.
O amor - sabemos todos -, faz-nos ser ridículos, faz-nos perder a razão, turva-nos o raciocínio, limita-nos a visão. E, às vezes, tudo isto é comovente. Mas outras vezes, é só mesmo isso: ridículo. Couto dos Santos perdeu uma oportunidade única para estar calado. Expôs-se ao ridículo desnecessariamente. Demonstrou não ter percebido nada do projecto que dirigiu. Podia ter saído em silêncio, com pezinhos de lã. Talvez as pessoas esquecessem - e em Portugal é tão fácil esquecer -, que substituiu o tal Serviço Educativo por uma coisa inócua chamada Direcção de Educação e Investigação, onde colocou Maria João Araújo. Talvez as pessoas nem percebessem que estava a misturar esferas que não é suposto serem misturadas. Mas Couto dos Santos preferiu ser um Romeu imberbe e imprudente. Haja alguém com coragem de, por uma vez, repor a verdade!
P.S.: Novidade que poderá ter passado despercebida numa leitura mais fugaz: A Direcção de Educação e Investigação que inicialmente se chamou Serviço Educativo, passará a chamar-se Direcção Artística e de Educação. Afinal, nem tudo na entrevista foram peanuts.

sábado, fevereiro 04, 2006

Plano inclinado

Paulo Cunha e Silva inaugurou ontem um novo espaço de crónica na revista do DN: "Cultura em plano inclinado". Ao seu bom modo, gastou a página inteira a escrever sobre o que a página irá ser. Já lhe conhecemos o método: no Instituto das Artes, do qual foi responsável até há pouco tempo, gastou o tempo quase todo a definir a definição da coisa. Mas o pior nem é o método - falível, como ficou provado. Pior é Paulo Cunha e Silva achar que não tem nada a ver com isso. Com as consequências do seu método. Por isso, surge a auto-proclamar-se guardião atento de todos (leia-se Ministra da Cultura e respectivo Governo que o dispensou) quantos queiram flagelar a sua ideia do que a cultura deve ser.
"A cultura, sobretudo a cultura contemporânea, é uma ecologia muito subtil que corre todos os riscos em períodos de chuvas ácidas, como aquele que atravessamos", escreveu como quem assina o seu atestado de inocência. Como quem diz: "Eu sabia para onde queria ir, mas eles, os maus, os incultos, não me deixaram ir." É o verdadeiro discurso miserabilista com o cheiro podre da resignação. Com uma agravante: é o discurso de quem, ignorando que na vida não é possível fazer tábua rasa do passado e começar do zero, anuncia um ajuste de contas público com os mentores dessa "visão pequena e paroquial" da cultura.
Na sua cabeça, Paulo Cunha e Silva estará para a Cultura como Mário Soares está para o país que o não elegeu. É um injustiçado e um incompreendido. Só a comparação - mais sugerida do que declarada -, é de um pretensiosismo inclassificável. Mário Soares, a quem o país tanto deve, nunca desistiu. Já Paulo Cunha e Silva, ao menor indício de contrariedade, ameaçava com a demissão. A vaidade impediu-o de a cumprir. Acabou, com menos nobreza, sendo demitido. Não pode é agora fazer de conta que é um iluminado e que não fez parte daqueles a quem compete concretizar "o programa".

Mudar de cor

Fui sempre a última. Em tudo. A última a aprender a nadar e a andar de bicicleta. A última a saber apertar os cordões dos sapatos e a comer de faca e garfo. Fui a última a ter marcadores Molin, borrachas de cheiro e outras preciosidades que faziam os dias valer a pena na infância da escola. Fui ainda a última a descobrir as saias, a última a usar cabelo comprido, a última a deixar de gostar de bonecas. Fui a última a ter uma Barbie. Fui definitivamente a última a perceber que havia mais vida para lá da poesia de Eugénio de Andrade e de Sophia de Mello Breyner. Nos devaneios líricos, é verdade, terei sido a primeira. Mas ser a primeira nisto equivale apenas a comprar um bilhete para fora do tempo devido. Ou seja, não vale a pena. Serei sempre a última (mesmo que esse dia chegasse hoje) a ter carta de condução e a ter filhos. Por estes dias dei-me também conta que fui a última a perceber que um blog sério, feito por gente séria, sobre assuntos sérios não pode ser preto como este. Por isso, a partir de hoje, o Coriscos passa a ser branco. Na expectativa de chegar em primeiro lugar a algum lugar.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

O abrigo de Stuart Robertson

Volta e meia aparecem criaturas assim. O pianista e songwriter Stuart Robertson escreveu, gravou e produziu "The Furthest Shelter". É o seu primeiro disco, fruto de dois anos de trabalho, e é esmagador. Daqueles discos para ouvir em 'repeat' até à exaustão.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

PM

Passaram seis anos, oito meses e dois dias desde que decidiste desistir. Se não o tivesses feito, farias hoje 32 anos. Ainda não aprendi a esquecer-me da tua data de aniversário. Não sei como é que se faz para esquecer. Para esquecer o dia em que faltavas às aulas e acordavas muito cedo para o dia ser maior. Passaram 15 anos e tal desde aquele Dezembro em que conversamos pela primeira vez. A primeira vez de todos os dias durante tantos anos. Cinco? Mais? Se não tivesses ido embora, ainda hoje guardaríamos os segredos um do outro. Eu teria continuado a guardar a tua vontade de morrer se tu não tivesses quebrado a promessa. A promessa de que nunca o farias.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

VPV

Domingo foi dia santo da blogosfera. Vasco Pulido Valente decidiu juntar-se à sua senhora, dona Constança, e imiscuir-se no maravilhoso reino do comentário-a-propósito-do-que-nos-apetecer. No caso, no www.o-espectro.blogspot.com. Acontece que, desde então, VPV passou a ser o próprio acontecimento do reino. Não se fala de outra coisa. Há anúncios (ainda não há bombos) em todos os blogs a anunciar a sua chegada. Há gente declarar-lhe amor, a pedir que visite as suas páginas, a imaginar a sua expressão diante dos comentários (imensos) que lhe depositam aos pés dos posts. Só ainda não há gente a pedir-lhe dinheiro... mas o senhor também ainda só chegou há dois dias.