segunda-feira, novembro 21, 2005

Violação de privacidade

Lembro-me daquele dia por ter coincidido com a ressaca das eleições nos Estados Unidos. George Bush voltara a ganhar e eu ainda não tinha conseguido digerir a estupidez dos americanos. Ao início da tarde, um indivíduo (não era amigo nem colega nem conhecido. Era uma mistura disto tudo; daquelas pessoas que não se inscrevem propriamente em nenhuma das gavetas fundamentais da nossa vida, mas que lá vão aparecendo, cordialmente, aqui e ali. E que merecem o nosso respeito.) liga-me para me inquirir sobre uma conversa que, supostamente, acabaramos de ter no messenger.
Surpresa número um: eu ainda não tinha ligado o messenger naquele dia. Mas ele insistiu que tinha estado uma hora a conversar comigo e que eu lhe tinha feito, entre outras coisas, uma cena de ciúmes. Surpresa número dois: Cenas de ciúmes são um exclusivo que guardo para uma única pessoa. E nunca para aquelas que não me dizem nada para além da esfera mundana do quotidiano. Muito menos para uma pessoa - como era o caso -, que conhecia há dez anos, ainda dos tempos da faculdade, e que não mexia minimamante com nenhum dos meus sentidos. Mas ele voltou a insistir na teoria: tinhamos falado, eu tinha feito uma cena de ciúmes, tinha gravado a conversa e enviado, por e-mail, para essa terceira pessoa que motivara os meus delirantes ciúmes.
Resultado: o indivíduo e a dita pessoa, que tinham uma relação de carácter "fonte-jornalista", ficaram com o relacionamento profissional estragado por violação de confiança. A rapariga em causa ficara ofendida com os comentários que o indivíduo proferira sobre ela na dita conversa de messenger. E eu, que tinha com ele uma relação de carácter semelhante, fiquei também com menos uma fonte. Surpresa número três: No mesmo dia, deixei de ter acesso ao messenger e ao hotmail. Sempre que tentava ligar, surgia uma janela a informar-me que eu já estava ligada noutro computador. Liguei à rapariga esclarecendo-a de que não tinha qualquer interesse nele ou nela ou em qualquer relação que ambos pudessem ter, e que tudo não passaria portanto de um mal entendido. Ela não acreditou, o que é legítimo, porque nunca me viu na vida. Mas ele também não acreditou. Até hoje, o que é pior, porque me conhece. Os homens quando não acreditam em alguém, destilam sempre o mesmo comentário: "É uma vaca". E pronto, fica o assunto arrumado.
A violação de privacidade através das novas e supostamente eficazes formas de comunicar é grave. Mais grave, no entanto, é as pessoas não terem como provar a sua inocência. Eu não tive como provar a minha. Apesar de ter feito queixa aos administradores informáticos do local onde trabalho, de ter feito queixa ao servidor do hotmail, à Microsoft, etc, etc...
A consolação (para o que quer que ela sirva... temo que para muito pouco) chega-me agora, mais de um ano depois, através da entrevista de Kevin Mitnick, publicada na revista Única do Expresso. A história já era conhecida. O pirata entrou em mil e um sistemas informáticos, foi condenado por isso, e hoje é uma figura famosa e recuperada. Se é possível entrar nos mais complexos sistemas informáticos do mundo, como é que não haveria de ser possível forjar a entrada num mísero messenger?

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